quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Quando eu voltar a ser criança

Esclarecimento: Este post não tinha a menor condição de ter outro nome que não este que recebeu, então imploro desde já perdão  de joelhos a memória de Janusz Korczak por ter me apropriado  do título de seu magnífico livro para nomear um post tão banal.

Quando eu voltar a ser criança a primeira iniciativa que tomarei será ter um pote lotado de bolinhas de gude. Um pote grande, bem bonito com bolinhas de todas as cores e variados tamanhos. Eu brincarei o dia todo com ela, ou ao menos, grande parte do dia. Terei também uma bicicleta e com ela apostarei corrida com meus amigos que moram na minha rua. Procuraremos uma rua que tenha uma ladeira bem legal para embalar e nos proporcionar velocidade e "zum"!!!! lá fomos nós rua a baixo felizes com nossa aventura.

Por mais que os professores sejam chatos e as aulas massantes, procurarei ir a escola. Na escola, sei que terei problemas pois quando eu voltar a ser criança, serei como eu já havia sido antes, eu acho, e dai, serei uma criança um pouco encrenqueira. Os professores me detestarão pela minha capacidade de fazer as tarefas rápido e porque ficarei conversando o tempo todo depois de termina-las e eles não suportam isso. Mas e dai? Quando eu voltar a ser criança não me importarei se os adultos estão zangados ou não.

Quando eu voltar a ser criança tentarei me cuidar e não ter Meningite como tive. Algumas pessoas acham que fiquei meio retardado por conta dela e não as culpo. Na primeira vez que fui criança eu realmente parecia ter algum grau de retardamento que me impedia de interagir com as pessoas da forma  mais apropriada e quando eu voltar a ser criança, não voltarei para arrumar algo que eventualmente ficou bagunçado. Voltarei para ser uma criança mais feliz.

Se eu não pegar Meningite, minha irmã Fernanda, aquela que já morreu, não será infectada por minha causa e continuará viva, o que me dará a chance de brincar bastante com ela e te-la como irmã quando eu novamente for adulto. Ser adulto é chato, mas não dá pra ser criança a vida inteira né? Se desse... Bom, de qualquer forma, seria uma fase boa se eu conseguisse me cuidar e não pegar a tal da Meningite, pois ter minha irmã por perto era tudo o que eu mais queria.

Porque dai a gente poderia correr e pular e gritar e iríamos explorar o mundo de uma forma única. Seriamos os irmãos exploradores, e quem sabe poderíamos viver mais aventuras que Julio Verne e é claro brincaríamos com minhas bolinhas de gude. Eu só dividiria minhas amadas bolinhas se fossem com ela. Nunca fui egoísta em relação a nada, mas com minhas bolinhas eu teria o maior xodó e só a Nanda poderia mexer nelas além de mim.

É que talvez ela preferisse brincar de bonecas até me lembro que no curto espaço de tempo em que ela ficou comigo, ela tinha várias, todas loirinhas como ela. E uma tinha cachinhos. Quando ela morreu da primeira vez, (porque se eu conseguir voltar a ser criança ela vai viver de novo) eu fiquei agarrado na bonequinha de cachos por muito tempo até o marido da minha mãe começar a me chamar de "mulherzinha", dai com meu pequeno orgulho de criança ferido, eu peguei a boneca e joguei em um bueiro. Isso me lembra que quando eu voltar a ser criança, tem que ser em Guarulhos, na Rua Mário e e eu tenho que dar um jeito de abrir a tampa deste bueiro pra pegar a boneca. A Nanda amava esta boneca e quando ela voltar não vai gostar nada de não vê-la na caminha que ela dormia.

Eu acho também que quando eu voltar a ser criança vou tentar empinar pipa. Nunca gostei, mas tentarei gostar desta vez. Sei lá, quero fazer coisas diferentes. Posso ensinar a Nanda a empinar também, porque eu sabia empinar, apenas não gostava, e talvez, se não for muita pretensão pra uma criança quero ensina-la a ler e escrever. Eu aprendi com cinco anos, ela como já era e novamente será muito mais inteligente que eu, aprenderá aos três, no máximo.

Direi a todas as pessoas que eu gostar que eu gosto delas, porque eu quero que elas saibam. Se algumas delas não gostarem de mim, o que é bem provável, eu espero que elas me digam também, assim eu posso ficar longe delas sem incomoda-las, afinal eu sei bem que adultos detestam ser incomodados. Quando adultos brigarem comigo pedirei imediatamente desculpas. Não quero ficar com a impressão que sou uma criança mal educada, então, eu sempre pedirei desculpas.

Ensinarei minha irmã também a jogar bola. Ela era tão delicada que talvez estranhe no início, mas sei que logo ela pegará gosto. Talvez jogue até melhor que eu porque minha irmã estava destinada a coisas grandes na vida eu hoje por exemplo sou um mero corretor de imóveis, ela com certeza se estivesse no ramo, seria diretora de alguma imobiliária grande já e eu teria muito, mas muito orgulho dela. Se ela não tivesse de mim, tudo bem, não estou muito certo se mereço que alguém se orgulhe de mim por qualquer coisa que seja.

Uma providência importante seria realizar alguma tarefa que eu conseguisse ganhar algum dinheiro, não muito, apenas o suficiente para comprar um coador pequeno para quando eu fosse tomar café com leite. Passei minha primeira infância inteira tomando leite com nada porque as pessoas nunca se importaram em coar para mim o leite e o fato de eu odiar nata com todas as minhas forças nunca mudou este quadro. E é claro que eu coaria para minha irmã também, afinal, ela certamente não gostaria de nata, mas não tive tempo de saber, pois ela morreu logo, antes de poder formar uma opinião definitiva sobre este detestável rejeito de leite.

Há tem tanta coisa que eu queria fazer quando eu voltar a ser criança!!! Tanta!!! Não saberia talvez por onde começar, exceto que ao acordar no primeiro dia de minha nova infância eu queria acordar no momento exato em que minha irmã abrisse os olhos grandes e coloridos e o seu melhor sorriso e me chamasse de Davizinho. Pronto! se não desse pra fazer mais nada do que planejei pra quando eu voltar a ser criança, apenas isso, uma vez que fosse me bastaria e eu poderia morrer em seguida, pois ser adulto novamente depois de ser criança pela segunda vez seria insuportável!

É isso.

Ouvindo: Soul Parsifal


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