terça-feira, 21 de outubro de 2014

Vida alheia


A vida alheia não me interessa. Exatamente por ser alheia, não a minha. Da um trabalho danado ser eu e me importar com o que se passa com as outras pessoas tomaria um tempo muito grande, o que tornaria inviável eu conseguir ser eu mesmo em total plenitude.

Mas para além do projeto de ser eu mesmo todos os dias, cuidar da vida alheia me irrita porque nunca, ou quase nunca melhor dizendo, pois não gosto de cravar absolutos, olhamos para a vida alheia com um olhar de ternura, ou com a intenção de ajudar, ou qualquer outro sentimento que seja. Queremos saber da vida alheia para que em comparação a nossa a do outro pareça pior e assim nos sintamos melhor.

Existem é claro pessoas que se compadecem de outras, mas vamos falar do geral, das pessoas que simplesmente querem saber da minha vida, da sua, da vida do Príncipe Charles, do Zezé, do Luciano, apenas por uma tara que beira o voyevourismo, algo insano que desabilita a busca pela própria felicidade na ânsia de buscar a infelicidade do outro. Um processo com o qual eu não consigo me acostumar, porque se eu não tenho solução para a vida alheia, porque querer saber detalhes e pior depois de descobri-los, espalha-lhos sem dó nem piedade?

Porque saber da vida alheia é só o primeiro passo na desconstrução do outro. Importa, depois de saber, espalhar, espicaçar, fazer com o número máximo de seres humanos saibam das fragilidades ou defeitos que conseguimos cavar de alguém, mesmo que este alguém não nos diga o menor respeito e nem o conheçamos pessoalmente.

Pouco importa se  este processo magoará, ofenderá, causará uma exposição que além de desnecessária possa ser devastadora na vida de alguém o que importa é que a sede por fofocas, intrigas, maldades, enfim, seja satisfeita. Cuidar da vida alheia da aquela sensação de poder, de fiscal do outro, de dono do mundo, mesmo que este mundo seja completamente ilusório.

Existe também a questão de que falar da vida alheia não é apenas um exercício de  maldade passa também a nos fazer de conselheiros e juízes. Sempre temos a melhor solução para o problema alheio mesmo que não conheçamos todos os precedentes, mesmo que não consigamos ver com a amplitude que só quem passa na pele por uma situação pode ver, mesmo com todas as limitações possíveis, nos achamos no direito de sermos conselheiros e pior juízes.

Pois julgamos o outro confirme a nossa régua, ainda que ela não se aplique ao outro. Julgamos sem medo de parecer ridículos, porque é evidente que julgar alguém, quem quer que seja, além de ser um exercício inutil sempre será algo impreciso, já que não existem elementos suficientes para se julgar e muito menos condenar a pessoa como sempre acontece, já que julgamos não para absolvição e sim para a culpa.

A vida alheia, para terminar, é algo que jamais deveria dizer respeito a quem quer que fosse a menos que haja um convite para tanto e mesmo quando alguém nos pede uma opinião sobre determinado assunto, deveríamos ter a leveza e a nobreza de não falarmos mais que o necessário e nem nos arvoramos de árbitros de sua vida e ainda mais importante: Deveríamos pesquisar a nós mesmos antes de responder, para que tenhamos a segurança de que falaremos sobre o que estamos aptos a falar, caso o contrário serão apenas palavras lançadas ao vento, sem efeito algum.

É  isso.

Ouvindo: Priscila Barcellos

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