segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Quando Fernanda se foi


A primeira lição que tive quando Fernanda se foi naquele que foi o Dezembro mais estúpido entre todos os Dezembros que já vivi foi que sempre buscamos dar algum sentido ao que não tem. Mesmo que esteja evidente que não exista sentido visível, tratamos de criar um que se possa ver, tocar, e sobretudo em situações de morte, nos confortar.

O primeiro de todos foi o de colocarem o seu pequeno corpo em um caixão branco. Não pude ir ao enterro e nem ao velório, mas sei que foi um caixão branco pois me contaram. Caixão branco? Que bobagem é essa? Dizer que crianças que morrem são anjos? Anjos não morrem antes de mais nada e crianças são apenas seres humanos que não tiveram tempo de crescer. O branco, que neste caso simboliza a pureza é só uma forma tola de tentar confortar corações que não se confortarão de maneira alguma, pois uma criança partiu. Nem se o caixão fosse da Peepa Pig, este serr que ainda vai dominar o mundo, confortaria quem quer fosse. E nem seria engraçado.

Outra coisa que aprendi foi que a vida é implacável. Sem filtros. Sem dó. Como uma criança morre logo perto do Natal? é pra foder com as esperanças de outras crianças que a amavam e pra fazer adultos caírem no alcoolismo pura e simplesmente. Só pode ser este o intuito. Claro que não é, eu sei bem disso, mas é isso que parece. A ironia de alguns atos da vida é tão escrota quanto rascante. E fica marcada para o que restar de dias a serem vividos.

As pessoas até podem gostar de você, mas também tem a sua própria vida a viver. Sim, a morte de Fernanda me mostrou isso. As pessoas até querem ser solidárias, seja com crianças chatinhas como eu era, seja com adultos chatos como eu sou, ma só até a página dois. Ser solidário de verdade da trabalho. Implica em gostar da pessoa. Se você não gosta da pessoa, nem tente vir com está conversa de solidariedade, não vai colar. Eu vi, quando Fernanda morreu, pessoas sendo quase cruéis com minha mãe e comigo mesmo enquanto fingiam uma solidariedade que de modo algum possuíam para conosco. Na verdade pareciam quase felizes com nossa derrocada e aprendi com a morte de Fernanda que as pessoas podem se regozijar e de fato o fazem  com a desgraça alheia. Ainda que isso prove sua pequenez, sua falta de caráter e amor, pessoas assim não temem cair no ridículo, pois ver o mal de quem não se gosta por qualquer motivo que seja é de muitas formas para elas, libertador.

Ao contrário do paragrafo a cima, Fernanda ao morrer também me provou  que a amizade e a solidariedade genuína podem vir de onde menos se espera. Um abraço sincero e carregado de emoção verdadeira pode vir de alguém que nunca te viu mas leva em seu coração a chama do bem querer. Recebi alguns assim, mas em especial o de uma garota de minha idade, da minha classe na escola de nome Andréia, me fez chorar de alegria. Ok sempre fui sensível, mas aquele abraço, eu nunca esqueci. Fecho os olhos e o sinto ainda hoje de tão sincero que foi. Depois deste dia, sempre dividíamos algo na cantina da escola e também a nossa merenda. é sou, velho, na minha época se chamava de merenda a comida servida na escola. Ela passou a sentar do meu lado e como qualquer criança que não era influenciada pelos programas de TV de hoje em dia que insistem em sexualizar até potes de sorvete, nos tornamos amigos verdadeiros e nada além disso. Foi lindo.

Fernanda quando morreu me mostrou da pior forma possível, (morrendo), que não deixamos de amar alguém quando esta pessoa se vai. E que passada a dor inicial, este amor se solidifica e aumenta, pois as lembranças do que vivemos, se tornam Polaroids daquelas que não amarelam e sempre vem a nossa mente, nos fazendo ainda que por breves momentos felizes. Ninguém nunca me chamou de Davizinho depois que Fernanda morreu, já quase sai na mão por este motivo, porque só ela podia me chamar assim. Não deixo ninguém conspurcar nosso momento e quando fecho os olhos e lembro de minha irmãzinha me chamando de Davizinho volto a ter 8, 9 anos e sou feliz novamente. Lembro de seus cabelos loiros como campos de trigo e seus olhos que tinham o mar neles encapsulados e penso na mulher linda que ela seria hoje e talvez já com filhos igualmente lindos que eu poderia chamar de sobrinhos, Sempre amarei Fernanda, não importe quantos anos eu viver. Para mim, mesmo morta, ela esta vivinha da Silva. Ou da Rocha.

Quando Fernanda se foi, grande parte de mim se foi com ela, e percebo que não sou como lagartixa que ao ter o rabo cortado vê ele se regenerar. Sinto um vazio grande no peito, uma dor que vai e vem e as vezes vem tão forte que me derruba por completo. Espero este mês estúpido e desnecessário passar com todas as minhas forças. Dezembro só me faz mal, só me traz tristezas me deixa sem forças, vazio de mim mesmo. Um mês que eu abriria mão fácil, de viver,

É isso.

Ouvindo: Leonardo Gonçalves, 'Jamais"



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