quinta-feira, 23 de julho de 2015

Donnie Brasco


Antes de mais nada devo confessar: Se existe alguma organização que me fascina, e ai, sem juizo de valor quanto aos seus métodos e mesmo objetivos, é a Máfia. Por um único motivo que vem a ser a questão da lealdade e amizade tão decantada por eles. Sei que não é uma real lealdade, mas o conceito me fascina a amizade e seu subproduto mais importante, a lealdade, é o que me faz gostar tanto das histórias que fazem a mítica da Máfia sobreviver aos anos e as mudanças na sociedade em que ela (ainda) esta inserida.

Duas obras para mim são fundamentais para entender o funcionamento da Máfia e em que pese uma "edulcoração" evidente em ambas sobre a realidade, ainda sim, "O Chefão" ( o livro muito mais que os filmes) e Donnie Brasco, o filme sobre o qual vou falar, são obras que definem de forma clara e com riqueza de detalhes os meandros da Máfia.

Donnie Brasco, é antes de mais nada um filme onde Al Pacino tem mais uma interpretação segura e estupenda, dando vida ao patético mafioso em franca decadência Left Two Hands, realçando todas as nuances de uma personalidade tão rica quanto perdedora. Michael Madsen, um ator apenas mediano, tem em seu Sonny Black a oportunidade de brilhar como um ator capaz de voar mais alto que o habitual. Mas é Johnny Deep, na pele de Donnie Brasco/Joseph Pistone, quem da show ao fazer de seu personagem uma aula de interpretação a ponto de rivalizar com o mestre Al Pacino. Seu registro, que é contido e quase minimalista mesmo quando seu personagem tem explosões de fúria e se torna violento consegue fugir do esteriótipo dos personagens de filme de gangsters e segura a atmosfera de tensão permanente do ínicio ao fim do filme.

Mas o que mais me chama atenção no roteiro de Donnie Brasco é o clima de melancolia que permeia o filme do inicio ao fim. Não se  está falando da Máfia glamurosa de "O Chefão",que talvez fosse até mais violenta que a de Donnie, mas sempre cercada por famílias milionárias que comandavam o espetáculo. Em Donnie, o foco é em mafiosos que embora não menos violentos que seus pares são decididamente muito menos imponentes no aspecto financeiro.

Assistir a construção de uma real amizade como a de Donnie e Left em meio a toda violência a sua volta e a evidente falta de perspectiva para que esta amizade persevere chega a ser comovente e as atuações de ambos chegam a fazer a garganta dar um nó em vários momentos do filme.  Percebe-se que o eixo central do filme pouco a pouco vai sendo deslocado para a questão da amizade entre ambos em detrimento do lado gangster. Próximo ao final, não importa mais quem é mocinho e quem é bandido, pois tanto Donnie, tem impregnado em si mesmo um DNA bandido, como Left  tem seu lado "correto" realçado.

Claro que a mensagem central do filme, que é baseado em uma história real, é a do triunfo da força policial organizada e eficiente ante bandidos que não tinham nenhum esquema de gerenciamento de suas operações, sendo tudo definido no instinto e operacionalizado na força bruta, mas o que fica após mais de duas horas de filme são os laços de amizade, lealdade e confiança  desenvolvidos pelos dois protagonistas.

Não é um filme pirotecnico. Não existem perseguições entre carros, lutas espetaculares, não vemos também consumo de drogas ou bebidas em quantidades patagruélicas, nada disso. O que se vê em Donnie Brasco é  uma lição como poucas de como se fazer um cinema descente. Algo cada vez mais raro.

É isso.

Ouvindo: Sepultura

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