quinta-feira, 28 de abril de 2016

Entre tropeços e Sorrisos (Outro Sonho com Fernanda)


É inevitável para mim sonhar com minha irmã que morreu. De tempos em tempos eu sonho e são os únicos sonhos que consigo me lembrar de forma perfeita. Isso me intriga. Não que eu seja místico, não me entendam mal, mas  são sempre tão nítidos estes sonhos, tão reais e ficam por tantos dias em minha mente, que minhas emoções ficam afloradas por dias.

A conexão que tínhamos a conexão que nutríamos um pelo outro vão me acompanhar pelo resto de minha vida, não tem como ser diferente. Já contei aqui que tive Meningite e sobrevivi. Sobrevivi para levar para casa a cepa da doença que mataria a pessoa que mais amei na vida e não consigo lidar bem com isso. Nunca vou conseguir me livrar deste pensamento e das lembranças tão vívidas em mim de minha irmã brincando pela casa comigo, correndo e tropeçando a cada vez que eu chegava da escola para me receber no portão. Ficavamos horas brincando juntos, horas "conversando" sobre tudo e sobre todos e embora fosse muito mais um monólogo é claro, nunca mais achei alguém que me ouvisse com tanta atenção como Fernanda. Sei que sou chato e isso dificulta um pouco para ser ouvido por outras pessoas, mas havia uma pureza em nossa relação que não permitia este detalhe aflorar.

Depois que ela morreu não fui mais a escola. Nunca mais. Digo a todos que deixei de ir a escola porque não queria estudar mais, mas eu não queria mais era chegar em casa e não ter aquele serzinho lindo correndo até mim entre tropeços e sorrisos. Tenho 43 anos e tento sobreviver. Ultimamente tem sido bem difícil. Me sinto pressionado em todas as áreas de minha vida e toda noite durmo querendo sonhar com minha irmã. Quando sonho no entanto acordo triste. O ser humano é mesmo estranho. Ou eu sou estranho demais, sei lá. Entre  tropeços e sorrisos ela sempre me recebia e meu mundo ficava colorido. Me sinto um cão desde que ela se foi pois só consigo ver o mundo em preto e branco. Tudo me lembra minha irmã, toda criança loirinha e com olhos claros me lembram minha irmã, todas as manhãs em que o Sol nasce com um brilho intenso me lembram seus cabelos e toda bela canção parece ter sido composta especialmente para ela.

Entre tropeços e sorrisos eu tinha uma amiga, uma confidente e creiam, um menino de 10 anos tem muito o que confidenciar. Minha amiga se foi e nunca mais tive alguém que pudesse verdadeiramente chamar de amigo. Até achei que tinha, mas estava enganado. é engraçado como a vida prossegue mesmo que os tropeços e sorrisos tenham cessado. Manter-me vivo é algo que faço por instinto, não tenho vocação para morrer tão cedo. A vida as vezes me sorri, outras vezes me faz tropeçar, mas nunca mais verei aquela loirinha correndo em minha direção entre tropeços e sorrisos. Nunca mais.

Minhas dores é evidente pertencem só a mim, mas se não escrever enlouqueço.

É isso.

Ouvindo: Maria Calas

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