terça-feira, 22 de maio de 2018

Nosedive




O episódio de abertura da terceira temporada de Black Mirror, uma das mais instigantes séries de TV produzida nos  últimos tempos, "Nosedive", aqui traduzido por "Queda Livre" (uma das poucas traduções de títulos seja de série, seja de episódio que fazem algum sentido, sou obrigado a concordar), foi para mim um soco violentíssimo no meu estomago. Não  consigo digerir, não sai de minha cabeça e me faz chorar compulsivamente por ver que o mundo já esta exatamente como configurado no episódio, apenas não percebemos.

A sociedade proposta nesta série,mais especificamente neste episódio é simplesmente opressora. Tudo, absolutamente tudo, de escritórios a residências, passando por carros, roupas, ambientes públicos, enfim, tudo é  representado em enlouquecedores tons pastéis. Não há uma folga, um refúgio, uma quebra de padrão. Tons pastéis são a única opção possível. O que deveria ser algo para quebrar a opressão e acalmar enerva de forma brutal a qualquer um que esteja assistindo de forma crítica o show.

Pior que os tons pastéis, cujo a paleta de cores fica até interessante em casamentos ou em quartos de bebês  é o cerne da questão, uma sociedade onde todos são classificados por todos o  tempo todo segundo regras absolutamente impossíveis de serem seguidas por pessoas normais. Uma sociedade onde é necessário sorrir o tempo todo, não falar palavrão não se comportar de forma "inadequada", não falar alto e onde o consumo, seja de bens como casas, carros ou mesmo alimentos esta diretamente atrelado a sua classificação em um aplicativo que não tem nome mas claramente remete ao Instagram, lugar onde todos são felizes e suas fotos e vídeos revelam o lado inexistente das pessoas, o feito para impressionar, não o que é real, aquele em que pessoas peidam e tiram catota do nariz.

Por algum motivo, nessa sociedade todos foram doutrinados a conseguir nota máxima neste aplicativo e postam fotos e vídeos o dia todo buscando aprovação de outras pessoas. Negativas baixam imediatamente o seu score o que não te permite comer em determinados lugares, ter determinados empregos e mesmo morar em determinados condomínios. É tão enlouquecedor este mundo e tão análogo ao que vivemos hoje que m e assustei e me assusto só de pensar no episódio.

Nele, Lacie, uma jovem com uma necessidade absurda de aceitação vive para parecer quem não é conseguir assim uma escalada social que jamais conseguirá. Nãso da pra contar o episódio, mas da para indicar que se assista ao mesmo no Netflix e se não gosta da série, basta assistir esse episódio, alias, um dos grandes trunfos de Black Mirror é contar histórias que podem ser todas assistidas separadamente sem prejuízo de continuidade embora um olhar mais atendo faça com o que o expectador ache semelhanças de linguagem e comportamento que sugira que todos eles se dão em um futuro próximo e talvez pudessem até se entrelaçar.

O que me incomoda e entristece no episódio Nosedive é exatamente a verossimilhança com o mundo que vivemos. Raros são os posts nas redes (anti) sociais que não são feitos para buscar aprovação, para mostrar que pessoas pertencem a determinados espectros sejam eles políticos, sociais ou quaisquer outros que seja. Quando tudo que o mundo precisa é de pluralidade, caminhamos para um mundo onde a compactação do pensamento e redução de senso crítico e de variação de de opiniões que ela provoca é o que impera. Ser diferente, pensar diferente do que reza o senso comum é corrosivo a imagem de quem assim deseja ser. Aplicativos como Instagram  são feitos para que as pessoas mostrem apenas que são vencedoras, bonitas, frequentam lugares descolados e sobretudo produzam likes em série.

Ser real nas redes (anti) social é quase um crime. Postar fotos sem filtros então é atestado de loucura. Se curtimos as fotos de alguém e este alguém não retorna nossas curtidas, achamos que isso é ofensa e ofensa em alto grau. Nosedive, neste sentido mostra claramente como a sociedade em que vivemos esta dependente dependente da aprovação coletiva e como a individualidade esta cada dia mais sendo deixada de lado.

Mesmo quando se pensa em ter itens exclusivos de consumo como carrões, roupas caras, casas em condomínios badalados, na grande maioria dos casos se pensa nisso para que uma comunidade de pessoas exclusivas e elitistas possa trocar idéias sobre como se tornar ainda mais exclusiva e por consequência elitista. Os tons pastéis dee Nosedive contam a história de uma classe média americana ou Européia que não esta nem ai para os que sofrem no terceiro mundo ou em outros rincões. A esses desvalidos não é dado a chance de viver nesse mundo mágico de tons que acalmam como uma imensa sessão de terapia das cores coletivas.

Nosedive precisa ser assistido. Com olhos de reflexão e profunda atenção ele precisa ser sorvido como é, uma crítica feroz a padronização e pasteurização de pensamentos e identidades. Talvez, e eu disse talvez, ainda de tempo de se mudar esse quadro horripilante que vivemos onde somos levados a pensar de forma absolutamente igual e a viver como se nossas fotos em aplicativos que destroem emoções  e nos fazem rasos falassem mais do quem realmente somos. Ou pior, é uma crítica a um mundo onde as pessoas preferem ser como elas idealizam, ainda que jamais realizem o que idealizaram. Triste mundo que vivemos. Um mundo que já acabou e não percebemos.

É isso.

Ouvindo: Lou Reed

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