terça-feira, 17 de julho de 2018

A Necessidade de Falar Sobre Fernanda



Minha primeira referência emocional, a ideia mais sólida de amor que tenho e também a mais antiga é minha irmã Fernanda. Jamais conseguirei superar a sua morte e difícil é o dia em que não me lembro dela. Fernanda, mais que minha irmã foi uma espécie de anjo em minha vida com seus cabelos loiros como um campo de trigo e seus olhos expressivos. Mesmo após 35 anos de sua morte eu ainda escuto sua voz tatibitate falando comigo.

Eu tive um cachorro chamado Nero. Um pouco antes de Fernanda vir ao mundo, eu tinha Nero e ele era meu companheiro. Adultos imbecis inventaram de dar pinga pura para ele em um churrasco e o cachorro aparentemente gostou do lance, pois foi tomando várias e várias doses até que no fim do dia, morreu. Vi pela primeira vez como o mundo poderia ser louco porque aparentemente apenas eu sofri com a morte do cão, enquanto os adultos a minha volta acharam divertido vê-lo dando voltas sobre si mesmo até cair inerte, sem vida. Nero foi colocado em um saco de lixo e jogado com o restante do lixo produzido aquele dia para ser recolhido pelo caminhão de lixo.  Só eu sei o quanto sofri quando me  dei por conta que Nero jamais iria novamente brincar comigo. Nunca mais me apeguei a animal algum, pois sei que eles morrem e a dor machuca muito mais que o aceitável.

Menos de um ano depois, veio Fernanda. Não me deixavam pegar o bebe. apenas uma vez minha mãe deixou eu pegar Fernanda em meus braços e sob forte vigilância. Não a culpo, uma vez que eu era e sou ainda uma pessoa absolutamente desastrada. Mas lembro do seu cheirinho até hoje e em momentos de extrema tristeza, lembranças assim me confortam. Conforme Fernanda foi crescendo, nossos laços foram se estreitando e o primeiro nome que ela disse foi o meu. Ela queria sempre estar ao meu lado, brincávamos o tempo todo e a nossa moda, "conversávamos" sobre tudo.

Fernanda me ensinou que existe uma forma de se relacionar sem interesse, apenas por amor, apenas trocando amor em doses cavalares dia a dia. Não tenho dúvida alguma de seu amor por mim e o amor que eu devolvia a ela diariamente. Quando ela se foi, tudo o mais se foi junto. Deixei de ir a escola, não joguei mais bola na rua, não queria mais nada além de ficar olhando o seu berço vazio, até que o levaram embora também. Existe um vazio tão grande em mim criado pela sua ausência que muitas vezes me sinto esmagado pelo buraco cheio de nada que existe aqui dentro.

A certeza de ser amado foi substituída por outra, a de ser sempre alguém a ser deixado de lado. Se eramos prioridade um para o outro Fernanda e eu, hoje sou aquele cara que sempre fica em segundo plano. Não, não é uma queixa, apenas uma constatação. Viver muitas vezes para mim é um fardo e em momentos de tristeza sempre é minha irmã que me vem a mente e por este motivo preciso falar sobre Fernanda, não deixa sua memória morrer, não me esquecer da pessoinha que realmente me amou na vida.

Fernanda foi um anjo efêmero porém intenso em minha vida. Minha vida nunca mais foi a mesma depois de sua partida. Mas lembrar de Fernanda me conforta e nesse conforto, eu prossigo.

É isso

Ouvindo: Felipe Valente

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