terça-feira, 7 de abril de 2015

O dia em que eu aprendi a ler


Tanta música por ouvir, tanta coisa por fazer, tantas pessoas que eu ainda nem sei quem são legais  ou não, mas que preciso conhecer. Lugares para ir, livros para ler, lágrimas para chorar, risos para oferecer, gargalhadas a serem compartilhadas.

A vida pulsa, o mundo continua girando crianças nascendo a vida explode todos os dias por todos os poros de todas as pessoas que de alguma forma respiram na face da Terra. A vida não para porque é uma força quase que incontrolável.  E digo "quase" porque eu sei que vou morrer. Coisa chata, é bem verdade mas eu vou. A vida vai continuar mas não a minha daqui a algum tempo. A minha será reduzida a pó, que nada sabe e nada vê. Isso não é romântico é apavorante. Eu não quero morrer, não gosto da ideia da morte, mas ela esta ai me rodeando, com cada vez mais intensidade, a areia da ampulheta parece descer com mais rapidez e voracidade.

É. Voracidade. Porque é voraz e impetuoso o tempo quando nos damos conta dele. Quando a era da inocência acaba e o que resta é a dura realidade de viver, o tempo sempre nos falta. O tempo sempre é pouco demais, seja para o que for. Porque eu sei que eu vou morrer. Se eu foste neste plano, eterno, não me preocuparia e faria as coisas da forma que melhor me aprouvessem. Mas não é assim. Eu vou morrer e tenho urgência.

Urgência em ser feliz, em fazer feliz, em conhecer lugares, pessoas, situações. Em despertar sensações em mim e nas outras pessoas. Em ter cada vez mais dias perfeitos, porque os tenho agora em pouca quantidade. Porque agora meus passos são mais lentos, porque eu corro com menos vigor e me canso muito mais rápido. Me falta tônus muscular, me sobra gordura indesejada, o cabelo, que antes parecia erva daninha de tão rápido e abundante, hoje se recusa a crescer. Sinais de que mais cedo ou mais tarde eu vou morrer. E eu não quero morrer. A ideia é uma porcaria para mim. Queria ser um Highlander, ainda que de fato eles não existam.

Dizem que quando se esta perto da morte a gente começa a ter lembranças profundas de um passado muito remoto. Hoje me lembrei do dia exato em que aprendi a ler. Eu estava internado em um hospital em Guarulhos, chamado "Menino Jesus". Tédio podia definir bem a situação de um garoto de cinco anos sem ter o que fazer. Ganhei uns Gibis do Tio Patinhas de uma enfermeira que evidentemente não se deu o trabalho de ler para mim, apenas me deu as revistinhas. Minha mãe foi me visitar e viu os gibis. Pegou um e falou: Você é inteligente demais para ficar vendo figuras. E em duas horas, o tempo da visita, me ensinou. Eu aprendi. Um assombro. A melhor lembrança que tenho de minha mãe. Ela estava sóbria, legal e no auge de sua também incrível inteligência inventou algum método que deveria ser emulado nas escolas, porque ao menos comigo, funcionou.

Não me lembrava de com havia aprendido, só lembrava de que já cheguei na escola sabendo ler e escrever aos seis anos e logo me cansei dela. Aos dez ou onze sai e nunca mais voltei. E agora aos quarenta e dois, eu penso que vou morrer logo e minha vida cada vez mais me passa diante dos olhos. Ao menos esta sensação me serviu para lembrar de com eu aprendi a ler, a melhor coisa que me aconteceu na vida.

E o mais chato disso tudo é me sentir no auge. Com a idade que tenho, ainda que tenha a barriga proeminente, cabelos rareando, eu me sinto no auge.  Mas o que importa esta no auge, quando se tem a sensação que em breve se vai morrer? Ao menos, eu aprendi a ler. E me lembrei como foi.

É isso.

Ouvindo: GVB

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