quinta-feira, 12 de maio de 2016

Gleice a mina da quebrada no Masterchef


Gleice, a menina de olhos tristes de postura tímida tão tímida  que parece que o medo do mundo é maior do que a vontade de vence-lo (mas só parece) é o motivo que me faz assistir a temporada 3 de Masterchef .

Sua postura tão naturalmente medrosa, com um sorriso que insiste em não sair e quando sai logo volta para dentro de sua boca parece gritar que ela ainda não entende o que faz ali,  ou porque ainda esta ali. Talvez ela achasse que nem entraria, mas entrou e mereceu entrar e merece ficar o quanto conseguir e por que não? Ganhar.

Entendo perfeitamente o que sente Gleice até porque ainda hoje entro em lugares em que me pergunto porque me admitiram ao recinto. Quando se vem de uma infância de lutas, pobreza e principalmente falta de oportunidades, é mais que natural que a admissão a alguns lugares que desejamos estar nos torne a estupefação plena.

Lidar com o fato de estar em uma competição onde seus oponentes são todos um pouco auto confiantes, ou ao menos aparentam ter esta autoconfiança, são mais altivos, mais, mais e mais, uma série de coisas, é assustador.

Cada vez que vejo Gleice dizer que não conhece tal ingrediente, que não conhece tal comida, tal livro de culinária, exalto sua força de vontade,  sua coragem, determinação, garra, enfim, todas as qualidades que a colocaram ali mesmo com tudo contra, com todo o estranhamento que sua presença possa trazer a uma classe média de merda que assiste o programa nem sabe bem porque, apenas para ver quem será o eliminado da semana. Um motivo que pode ser chamado no mínimo de torpe.

Gleice fala  baixo, quase sussurrando, quase pedindo desculpas por dirigir a palavra a quem quer que seja. Tem respeito pelos jurados, tem  uma não altivez que emociona, e sabe melhor que ninguém que pode a qualquer momento ser a próxima eliminada. Não importa, para mim, já é uma vitoriosa. Entrou por um funil que deixou milhares de pessoas para o lado de fora, fez uma receita simples para entrar e a executou bem. Cozinha com amor, com emoção e tem uma história tão sofrida como  quase todos pretos de tão pobres tem.

Não a vejo usar isso a seu favor. Cada lágrima que derramou foi para mim sincera. Cada passo que deu com medo, cada vez que tentou esconder sua presença, tudo foi natural, sincero. Gleice nem tem estrutura intelectual ao que parece, para ser uma estrategista que vá além do óbvio.É uma pessoa que é apenas aquilo que consegue ser, nada a mais e talvez por este motivo se torne tão cativante.

Não creio que Gleice vá ganhar, mas espero que sua participação lhe traga dividendos, lhe faça dar uma condição melhor a sua família com ela disse almejar. Gleice merece e a quebrada que ela representa torce em peso por ela. Tenho certeza disso. Ela merece a torcida. Ela representa sua área. E representa com uma dignidade impar.

É isso.

Ouvindo: Maria Callas

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