Por filmes que explodem em indicações ao Oscar tenho apenas um sentimento: DESPREZO. O mais solene desprezo porque obviamente foram feitos para tanto, para ganharem prêmios em quantidades industriais. Eu não acredito de forma alguma na mercantilização da arte e acredito menos ainda nesses prêmios feitos apenas para que egos sejam satisfeitos, nada mais. Arte tem que ser antes de mais nada, democratizada, divulgada, antes de ser premiada. Um bom filme antes de mais nada tem que contar uma boa história, tem que ter alma, essência, não apenas um invólucro arrebatador.
Segui a risca minha linha de raciocínio com relação a filmes indicados ao Oscar e neste caso em específico para ajudar, não morro de amores por Guillermo Del Toro, o diretor de A Forma da Água, então não dei bola para o filme e tudo o que se falava dele até que me lembrei que "Os Imperdoáveis" faroeste magistral dirigido por Clint Eastwood também tinha recebido uma pilha de indicações ao Oscar e era um filme nada menos que espetacular e movido também por uma indicação de alguém que gosta tanto quanto eu de cinema, decidi assistir ao filme.
Com o orçamento apertado não pude assisti-lo no cinema e isso é triste, pois é um filme grandioso, paras ser assistido na telona, com toda certeza, mas ao menos, vê-lo em um desses sites de internet me fez conseguir uma proeza: Assistir a um filme legendado. Não é de forma alguma um filme para se ver dublado e dei a sorte de achar um link legendado e com uma ótima qualidade de som. Vamos pois, as impressões sobre o magnífico A Forma da Água.
Se Guillermo Del Toro quisesse prêmios com este filme, não teria contado a história como a contou. O filme tem uma fotografia e direção de arte simplesmente soberbas, mas nem de longe é um filme solar, confortável visualmente. O desconforto visual proposital se encaixa com o desconforto que a história em si produz. Tendo a testa Sally Hawkins a soberba atriz de Blue Jasmine ao lado da nada menos que perfeita Octávia Spencer de Estrelas Além Do Tempo e ambas sendo secundadas por um elenco a altura de seus talentos, Del Toro contou uma história de amor e terror como a muito não se via.
Não existe terror explicito, mas o mal esta muito bem representado na figura de Strickland, um iluminado Michael Shannon, que defende seu personagem com tanta garra que faria Satanás ficar de cabelo em pé ante tanta maldade gratuita, que serve apenas a seus mesquinhos e pequenos propósitos. Mas se como eu disse o terror não é explicito ele fica escondido por camadas e mais camadas de sordidez e mesmo assim essas tantas camadas não conseguem segurar a maldade por muito tempo e ela escorre pela tela de forma perturbadora e muito importante, todo e qualquer sentimento que o filme venha a despertar em quem o assiste esta embalado por uma trilha sonora tão incrivelmente bem elaborada que torna tudo ainda mais real, quase palpável e o expectador mais sensível pode surpreender-se com ele mesmo ao pegar-se achando a história mais verossímil do que de fato é.
Na verdade reside ai o pulo do gato de A Forma Da Água. tudo nele é tão belo e amedrontador e ao mesmo tempo sublime que a figura do monstro aquático capturado sabe-se lá porque na Amazônia, se torna tão inexoravelmente humana em determinado momento que tudo o mais ao redor do filme passa a fazer todo sentido e se humaniza de tal forma que esquecendo que se trata de uma relação impossível de prosseguir, existe uma fervente torcida para que um final feliz aconteça. Nem o fato de a criatura a certa altura do filme comer um gato vivo elimina a sua beleza e pasmem, pureza.
A criatura, que se não é cativante visualmente também não é o horror dos horrores, é na verdade nada mais que uma homenagem a todos que se sentem fora do prumo, desajustados, outsiders em um mundo cada vez mais plastificado e sem sal. Creio e não escrevo isso como uma verdade absoluta, mas apenas como expressão do meu entendimento sobre o filme, que Del Toro forjou sua criatura como uma forma de dizer as pessoas que se sentem solitárias, incompreendidas ou sentimentos correlatos, algo como "calma, apenas seja você mesmo, o mundo não gosta de você assim e não vai gostar de você se houver mudanças, porque você ainda será você" ou seja, só existe uma possibilidade possível que é aceitar-se como se é e esperar que em algum momento alguém te olhe além das aparências, procure em suas camadas mais recônditas quem de fato você é.
Foi isso que fez Elisa, personagem de Sally em relação a Forma Da Água quando enfim tomou contato com ela. Tudo é lindo entre eles, a comunicação entre uma muda e uma criatura incapaz de verbalizar sentimentos mas totalmente capaz de tê-los e sofrer por este motivo causa um impacto emocional fortíssimo em quem busca em um filme algo mais que carros dirigidos por retardados e tiros dados a esmo por outros retardados. é de uma delicadeza sem par a cena do banheiro submerso, quase um balé, uma verdadeira vitória dos derrotados pela vida, um clímax poucas vezes proposto pelo cinema e o fato de Elisa morar em cima de um em uma clara homenagem ao cinema como instituição, tudo isso faz com que lágrimas teimosas rolem pelo rosto de quem ama ver histórias tão bem contadas.
Não da pra falar muito mais de A Forma Da Água sem entregar Spoilers aos montes, então fica aqui o veemente apelo para que você assista a este filme. Não há nele perseguições de carros em desabalada carreira, nem tiroteios, a nudez é absolutamente poética e justificável, não está ali para excitar ninguém apenas para explicar comportamentos e atitudes, enfim, é um filme para ser visto e revisto e se ganhar os prêmios aos quais foi indicados será uma das raras vezes em que a Academia fez justiça. Na verdade se houvesse uma categoria chamada "Melhor Respiração em Filme", deveriam dar o Oscar a Del Toro, pois toda a respiração do ser aquático é feita por ele, Ghillermo.
Obrigado, Guillermo Del Toro por ter entregue aos amantes do cinema um filme tão especial como é A Forma Da Água. E a você que for assisti-lo. atente-se a trilha sonora, é um capítulo a parte, um achado de rara beleza.
É isso.
Ouvindo: The Shape Of Whater Soundtrack