sexta-feira, 28 de junho de 2013

Grisóstomo e Marcela


Personagens  da mente espetacular de Cervantes contidos no maior livro já escrito na porção Ocidental do mundo "O Engenhoso Fidalgo Don Quixote de La Mancha", Grisóstomo e Marcela protagonizam uma das mais interessantes das muitas aventuras interessantes em que nosso Quixote e seu Escudeiro Sancho Pança encontraram por suas andanças.

Marcela é uma Pastora que tem uma formosura nunca vista igual por homem algum. Uma beleza que enlouquecia os homens de sua região e que os fazia comporem músicas, poemas, e dar a ela o que quer que fosse em oferenda para obter seu favor. Acontece que Marcela, que era filha de Pais abastados porém mortos e fora criada por um tio igualmente abastado, fizera um voto de viver somente entre seu rebanho, fazendo das águas dos cristalinos rios seu espelho e das árvores dos bosques suas confidentes ( note quem em Don Quixote, ninguém bate muito bem, não apenas o protagonista e eu desconfio que o próprio escritor não devia ser considerado alguém muito "normal" em seu tempo), mas enfim, Marcela nada queria com homem que fosse, por mais bonito ou feio, ou rico, ou pobre, ou forte, ou fraco, Marcela amava sua liberdade e ponto.

Grisóstemo por seu turno, não obstante a fama de sua amada Marcela ser de uma mulher impenetrável ( e aqui valem todos os sentidos possíveis da palavra), caiu de amores e repetidas vezes tentou corteja-la, não obtendo sucesso em seu intento.

Encurtando a história, Grisóstemo,  homem de posses, morre de amores literalmente e é em seu enterro ou melhor na noite anterior que flagramos o Engenhoso Fidalgo recebendo o relato desta história pela boca de um dos Cabreiros com quem está a dividir um jantar modesto porém de grande valia, e no dia seguinte ele segue com os ditos Cabreiros, mais alguns Pastores ao enterro do personagem citado.

Antes de ser enterrado, é lido por Vivaldo ( lembre-se que estamos na Espanha Medieval e nomes como Grisóstemo e Vivaldo entre outros absurdos eram considerados formosos), a "Canção de Marcela" poema  último escrito pelo defunto antes de vir a tal condição, onde ele canta todo seu amor e tristeza pela não correspondência.

Ao fim de tal leitura eis que Marcela, que já havia sido de todas as formas possíveis ofendida por todos os presentes como mulher sem coração e de bondade inexistente chega ao local do enterro, que por sinal é ao pé da montanha onde pela primeira vez Grisóstemo colocou os olhos em Marcela,  e em um discurso memorável ( que aqui resumirei a sua essência por conter mais de duas páginas inteiras do livro) defende-se de tantas injúrias e ofensas.

E é aqui, my friends, o ponto que quero chegar neste post. Cervantes coloca na boca de sua personagem uma defesa irrefutável de seu ponto de vista que nos serve em muito para nossos dias, para nossa vida. Ela diz:  "Que culpa tenho eu que o céu formosa me fez? Que culpa tenho eu se assim me veem os homens da região e a mim querem como esposa? Tenho um voto comigo mesma de não me desposar com ninguém, de ser eu e minhas cabras nesta minha vida, e manter-me honesta, fiel aos meus pensamentos. Por acaso torno-me eu culpada pela morte de Grisóstemo por não corresponde-lo em tão desatinado amor? E se é de esperança que a vida é feita, não foi ele que sossobrou neste Mar de esperança que eu mesmo nunca lhe dei, antes tendo ele construído a sua própria vontade? Por que eu deveria me sentir culpada por tal falecimento? Se honesta sou e todos os desta vila sabem que assim me comporto, não com Grisóstomo apenas, mas com todos os homens que a mim se achegam com intenção de casar-se comigo, coisa que não farei? E se não amei por um ato do destino, por que amaria por escolha própria? Não, meus amigos, não sou eu a culpada pela morte de Grisóstomo sendo ele mesmo o causador de sua desventura". Tendo dito isso, virou sem esperar resposta e entrou boque a dentro. E era tão formosa nossa Marcela que alguns homens, não ouvindo nada do que ela tinha dito por hipnotizados que estavam por sua beleza, tencionaram segui-la, intento ao qual se opôs  Don Quixote, dizendo que faria uso de sua espada se necessário fosse para dete-los, mas não foi necessário pois eles assim desistiram.

Antes de continuar, peço perdão a Cervantes e seus admiradores, pois o trecho em aspas foi um resumo ridiculamente escrito por mim mesmo das duas páginas do discurso de Marcela, não tendo Cervantes nada com essa colcha de retalhos.

Esta pequena história, que como tantas outras de amores não correspondidos foi contada por Cervantes com o diferencial de ter sido escrita de forma que ninguém jamais igualará a beleza e lirismo, mostra uma tendência absolutamente humana de sempre culpar a outros por nossas desventuras.

Se não somos amados, a culpa é de quem não nos ama por não enxergar nossas qualidades. Se perdemos um bom negócio a culpa é de quem nos enganou, se acordamos atrasados, a culpa é do despertador que não tocou alto o suficiente. A culpa, sempre é de alguém.

Assumir nossas falhas é o que nos falta para o entendimento completo e conseguinte fruição de uma vida plena. Quem consegue entender  seu grau de responsabilidade perante seus atos e consequências, consegue viver de forma a não repetir erros passados, planejar melhor ações futuras, e sobretudo se relacionar de forma mais ampla e transparente com as outras pessoas.

Cervantes, encerra uma lição de real valor ao contar a história de Grisóstomo e Marcela em seu genial livro e bem faríamos  se vênia dessemos a suas palavras.

É isso.

Ouvindo: Alessandra Samadello





3 comentários:

Robson Fróes disse...

Excelente resumo e reflexão sobre essa parte da Obra de Cervantes, Parabéns e obrigado por sua generosidade em compartilhar.

Robson Fróes disse...

Excelente resumo e reflexão sobre esta pare da Obra de Cervantes, parabéns e muito obrigado por sua generosidade em compartilhar.

Robson Fróes disse...

Excelente resumo e reflexão sobre esta pare da Obra de Cervantes, parabéns e muito obrigado por sua generosidade em compartilhar.