sábado, 7 de junho de 2014

Eu, minha irmã e minha dor.


Existem momentos em minha vida que eu apenas queria ficar quietinho em um canto com minhas dores. Nada além disso. Momentos em que eu queria chorar, me rasgar, gritar, enfim, queria extravasar da forma mais louca possível. Mas não posso. Tenho 41 anos, sou um adulto e não posso, ou melhor não devo demonstrar fraqueza.

Existem momentos, em que eu queria não sublimar absolutamente tudo como sempre faço, mas eu queria sofrer. Sofrer no sentido de ao invés de simplesmente prosseguir, olhar para mim mesmo e dizer " cara, não dá, a vida ta te massacrando demais, para! toma outro rumo, outra direção!" Mas eu não posso e ai eu vou para mais um plantão de vendas, coloco meu fone de ouvido, espero clientes, e a vida vai passando por mim.

Acho que já mencionei neste espaço que queria quando criança, ser bailarino. Mas não pude. Minha mãe não permitiu e acho que mesmo que ela permitisse, meus pés defeituosos não permitiriam. Dai eu pensei em ter amigos. Não consegui, até hoje. Acho que vim  quebrado.

Eu tinha um projeto aos 8, 9 anos. Eu queria ser amigo da minha irmã Fernanda. Mas ela morreu. De Meningite. Provavelmente porque teve contato comigo que tive a doença primeiro. Ela estava bem, feliz, rindo com seus cabelos loiros e lindos, porque ela era linda sabem? Muito, mas muito linda. Mas ai em pouco mais de uma semana e meia ela deixou de estar bem e morreu. Ela morreu e nem pude ir ao seu enterro. Eu passei dias olhando para a cama que ela dormia tentando acreditar. Mas eu acreditando ou não, ela morreu.

Eu sei que seriamos amigos porque ela me chamava de Davizinho e brincava comigo o dia todo. Ela só queria brincar comigo e mais ninguém. A gente se dava bem, se amava de verdade, conexão de irmãos. Mas ela morreu. Certamente por minha culpa uma vez que eu não consigo fazer nada direito. Depois disso, sinceramente, nada me importou muito. Por que ela morreu. Com toda certeza, por minha culpa.

Depois, sofri abuso sexual. Ninguém acreditou em mim quando contei pois o meu "tio" era um homem acima de qualquer suspeita e eu já era uma criança problema. Apanhei de minha avó, mãe e do próprio tio para nunca mais falar este tipo de barbaridade, mas sei lá, hoje, resolvi falar até porque ninguém lê mesmo.

Desenvolvi uma raiva surda dentro de mim. Raiva de minha família, das pessoas, do Universo mas sobretudo de mim mesmo, pois minha irmã, que seria minha amiga e hoje trocaríamos experiências  sobre nossas vidas, sobre como criar nossos filhos, morreu. Porque eu insisti em ficar vivo. Tivesse sido eu menos egoísta e teria morrido no hospital, sem trazer a doença para minha irmã morrer. Mas eu estou aqui, me lamentando e ela morta, inocente, pura, linda, como sempre foi.

Sei que não é assim, mas fantasio até hoje que se abrir o caixãozinho dela ela não terá se decomposto e será a mesma menina linda que era quando morreu. Eu lembro que um dia, sai vagando após a escola. Eu gostava da escola, estava na quarta série, mas de verdade achei que escola não era mais para mim. Todos tinham pai, irmãs e mães . Mãe eu também tinha, mas as pessoas tinham mães sóbrias a minha vivia embriagada. Eu sai andando sem rumo e cheguei a um lugar muito, mas muito longe de casa. E fiquei ali. Sentado, as mãos abraçando minhas pernas, meus pensamentos atormentados. E chorei. Chorei por horas, sem entender bem porque eu chorei como eu queria chorar de novo agora mas não consigo.

Sei que sou um ser humano absolutamente deteriorado. Eu jogo contra mim, me saboto o tempo todo. Vivo em um mundo em que não importa as dores que tive ou que tenho, o que importa é que tenho que entregar resultados e parecer normal. Não consigo. Eu bem que queria. Mas minha irmã morreu. Morri com ela, mas continuo andando, como um personagem de Walking Dead. E mesmo em minha tristeza me congratulo pois é melhor ser um personagem de Walking Dead do que ser parecido com o Dexter.

Eu acho todo mundo burro, mas o burro sou eu. Quando abandonei a escola eu era pouco mais que um menino alfabetizado e hoje se não tiver uma HP12C nas mãos, eu não sei nem quanto é dois mais dois. De verdade. Não invejo nada de ninguém, mas invejo quem fala Inglês corretamente, quem estudou, tem Pós, Mestrado, Doutorado e sei lá o que mais. Me sinto absolutamente inferiorizado toda vez que passo em frente a Unip de Alphaville e sei que ali se aprende o que eu jamais saberei. Não tenho educação formal e isso é triste.

Minha tristeza hoje é profunda. Tento conversar com minha irmã mas ela se recusa a aparecer em sonhos novamente. Quando sonho com ela, sou feliz e fico feliz por semanas, até meses mas quando ela some, eu me sinto acabado. Eu sou um ninguém e as vezes isso se torna absolutamente claro.

Não, eu não espero que as pessoas tenham pena de mim me sinto horrorizado quando isto acontece. Sou fruto de minhas escolhas meus erros são 100% meus não culpo ninguém por minha insanidade e os atos dela resultantes. Eu afasto as pessoas de mim e afasto porque se elas gostarem de mim eu farei algo para magoa-las e logo em seguida se afastarem de mim. Sou assim, não sei receber afeto, carinho e amor por mais que precise disso. Eu queria apenas minha irmã viva. A irmã que pegou meningite de mim e morreu. A irmã que eu amava do fundo do meu coração e seria minha amiga. A irmã que tanta alegria me deu em tão pouco tempo de vida. A irmã que eu queria ao meu lado. A irmã que eu nunca mais verei.

Eu sofro todos os dias com esta certeza e por gentileza se por acaso aparecer nos sonhos de alguém uma menina linda de olhos azuis,cabelos loiros e sorriso esperto e aberto chamem por Fernanda. Se ela responder, peçam pra ela ir para o meu sonho. Preciso muito vê-la novamente, estou meio descompensado. Estou meio abatido, estou totalmente saudoso e saudade para mim dói e dói muito.

É isso.

Ouvindo:  The Beast In Me, umas das melhores de J Cash

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