segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Ave Maria


Existe uma beleza nesta "Ave Maria" interpretada por Maria Callas que me leva as lágrimas quantas vezes eu a ouvir. E esta versão em Alemão, é ainda mais linda e significante pelo impenetrável da língua para mim. Não preciso me preocupar se é uma louvação tola a Maria, tão tola quanto inútil alias, mas posso sorver a beleza do arranjo, a delicadeza que Maria impõe a sua apresentação, mesmo sendo ela dada em alguns momentos a histrionismos vocais desnecessários, reconheço, (e, se você, não entende o que quero dizer com histrionismo vocal, pare de ler e vá ouvir Michel Teló, não escrevo para bárbaros) ainda sim sua voz aqui é toda dulçor e delicadeza.

Sua interpretação é um enlevo para alma, coração e mente. Em contraponto por exemplo a do ceguinho imbecil alçado a pop star Andréa Bocelli, que destrói a mesma canção com sua interpretação açodada e cretina. Callas aqui, da provas mais do que suficientes de que foi a maior voz que caminhou  na face desta Terra e digo que se eu tivesse que imaginar um anjo cantando, ou algo ao menos próximo disso, imaginaria Maria Callas.

Mas esta  "Ave Maria" me intriga não apenas pelo que tem de belo, mas pelo que tem de emocional E a emoção muitas vezes não precisa ser bela, antes muitas vezes é feia e com sua feiura atinge pontos antes inimagináveis em nosso ser. Esta interpretação no entanto é envolta em uma beleza tão genuína, tão pura, tão singela, que não cabe um reparo, e Callas que sempre soou tão racional para mim, quase uma maquina de cantar ao qual não se permitia a fraqueza da emoção, não se permitia o escorregão do erro, se torna aqui humana, quase frágil, quase que se despindo de rótulos para ser apenas uma correligionária de sua fé, ainda que eu duvide que ela tivesse alguma fé além de sua inabalável fé na música, em sua música para ser mais exato.

E dai eu me surpreendo com a força da devoção. A força que um tema religioso, não  importa a que denominação ele possa pertencer, tem de nos trazer para nosso ponto de inflexão mais íntimo, nos tirar de toda a nossa pretensa infalibilidade, superioridade ou o nome que se queira dar ao nosso sentimento de estar por cima.

Maria Callas, para mim uma voz quase inumana de tão perfeita, se fez mulher aqui. Se fez alguém nestes poucos mais de seis minutos, ao qual se é possível ver a mulher apaixonada, a mulher que teve que conviver com o declínio de sua voz (o que seria natural em algum momento), a mulher enfim que bem diferente de "La Mamma Morta" ou "Nessun Dorma" ou mesmo "Mio Babbino Caro" para ficar em três simples exemplos mostrava-se sempre impenetrável, sempre dona da situação, sempre a voz a ser admirada e mesmo invejada.

Em "Ave Maria" Maria Callas, permitiu-se ser o que no fundo nunca deixou de ser. Uma mulher com suas vicissitudes, e tão complexa e ao mesmo tempo simples com qualquer outras.



É isso.

Ouvindo: Maria Callas

Nenhum comentário: