sexta-feira, 27 de março de 2015

Tempo, tempo, tempo. Sobre Interestelar um filme ruim incrivelmente bom


"Interestelar" com Matthew McConayghey, e só com ele, pois é o único que ator que presta no filme e o carrega sozinho nas costas, é um filme ruim incrivelmente bom. Ruim porque o roteiro é um rocambole quase ininteligível  que começa falando de um mundo quase sem tecnologia mas incrivelmente tecnológico onde as pessoas estão ferradas sem comida sendo o milho aparentemente uma das poucas fontes de alimentação.

Some-se a isso uma NASA "clandestina" com um projeto que ninguém entendeu muito bem para que serve mas todos estão se esforçando para fazer dar certo. São furos e mais furos no roteiro e eles vão irritando a qualquer ser pensante, mas por outro lado o filme toca em um ponto absolutamente necessário e atual. "O tempo e sua relatividade". Sobre o filme da pra falar que Matthew  está espetacular como sempre e todo o resto é uma bomba, sobre as questões que ele levanta que são diversas da pra dizer que 99% são irrelevantes e estéreis, mas uma delas, exatamente a que fala sobre o tempo merece reflexão apurada.

Esquecendo a questão dos "buracos de minhoca" das idas e vindas, das terceiras, quartas e quintas dimensões, o tempo sempre nos é precioso, mas nunca, ou quase nunca é percebido como tal. A quantidade de tempo que desperdiçamos é tão grande que paradoxalmente nos leva a reclamar quase que incessantemente da "falta" de tempo que vivemos. Raros são os que buscam criar mecanismos que levam a um gerenciamento racional e eficiente do tempo disponível. São sempre tantas coisas a fazer e quase sempre sem a menor importância.

O filme levanta uma questão crucial que é exatamente a força do amor combinada com o tempo. O tempo pelo tempo nada mais é do que o passar dos dias,não tem força, é areia se esvaindo na ampulheta  do nada. Quando combinado com a força do amor no entanto, qual seja o tipo de amor que estejamos falando ou pensando o tempo ganha uma dimensão muito mais poderosa, que pode quebrar qualquer tipo de barreira que conheçamos e pode ser o indutor de uma nova forma de perceber-se no espaço.

O tempo com um propósito acoplado a ele se torna uma ferramenta que pode de forma definitiva mudar mentes e corações. Pode fazer com que revisemos nossas prioridades, a forma com que conduzimos nossa vida, fazemos nossas escolhas. O peso de nossas palavras e atitudes, quando o tempo é levado em consideração é outro. Não soltamos palavras ao vento e nem tomamos atitudes precipitadas quando é o tempo ou melhor a percepção de que ele passa e é implacável, que nos guia.

No filme, o personagem de Matthew busca salvar antes de mais nada a seus filhos. Não importa que o destino da humanidade esteja em jogo, o que ele quer é salvar antes de mais nada a seus filhos, pois são com eles os laços mais fortes de amor que ele possui. Cada dia passado longe deles, se não for utilizado no sentido de salva-los e se esta utilização não for extremamente bem feita é perdido. Estar longe deles só se justifica porque ele pode fazer algo que os deixe em melhor situação. Tempo perdido neste caso é ser derrotado, é te-los além de longe, sem possibilidade de serem salvos e é isso que pais fazem pelos seus filhos, eles os protegem, os salvam, os amam e este amor os impulsiona.  "Interestelar" neste sentido é um filme que fala do amor imenso de um pai pelos seus filhos.

Tempo. Amor. Propósito. Palavras tão solenes para com as quais muitas vezes não temos o menor respeito.  "Interestelar" é um filme patético em muito momentos, mas sua força reside em suscitar questionamentos sobre estas palavras e suscitar questionamentos é tudo que uma obra de arte precisa fazer, para se pretender séria.

É isso.

Ouvindo: Ray Charles

Nenhum comentário: