sábado, 5 de setembro de 2015

Dorme, menino morto, dorme. (uma carta que Aylan nunca lerá)


Não, Aylan, não vou publicar sua foto. Por respeito a ti, ao seu pai (eu sou pai, Aylan, sei o que o seu está passando), a seu outro irmão e sua mãe. De sua família, restou apenas o seu pai, seu irmão se foi, no mar. Sua mãe, também. Cabe agora a seu pai  prantear todos vocês. Restou sua foto, emblema de um mundo que se perdeu, restou um blogueiro que ninguém lê, aqui no Brasil (eu), a chorar quase um mar, como o que te afogou, por sua morte. Restou a insanidade, restou o horror, o horror.

Aylan, você dormiu. Na sua inocência você dormiu. Seus pulmões, cheios d'água, sucumbiram. Não houve crownfounding  possível de veganos bobos e pseudos defensores de animais para te livrar da morte. Essas pessoas, não te queriam nem no Canadá, onde seria o teu destino, nem na Europa, nem no Brasil, porque você Aylan, era um pequeno ser humano vindo da Síria, um país que todos  fingem  não existir para não ter que arregaçar as mangas e fazer algo em prol dos que lá sofrem. Salvemos os porcos, deixemos os seres humanos viverem pior que eles. Este, Aylan, é o pensamento vigente no mundo que você mal conheceu. Sabe de uma coisa, Aylan?  Você esta dormindo e dormindo como está, está melhor do que os que aqui estão, entorpecidos por uma falsa sensação de que fechando as portas para você tornariam seu pequeno mundo mais seguro.

Meu pequeno Aylan, o mundo não merece que inocentes como você o habitem. Não estamos preparados para isso, estamos alienados, completamente alienados de qualquer padrão minimo de moralidade que  impeça que corpos de garotinhos como você apareçam inertes em praias que deveriam servir como um lugar de recreação, esportes ou simplesmente um lugar para se meditar. Não, Aylan, no dia em que teu corpo ali apareceu, toda e qualquer beleza que pudesse haver naquele litoral se foi, se evaporou no ar como se evapora a água a altas temperaturas.

Crianças como você Aylan, só deveriam brincar e estudar. Nada além disso. Deveriam também receber amor sem limites para descobrirem quando adultos, que não existem limites para amar. Mas você, Aylan, um pequeno Sírio oprimido por gente como o ditador do seu país, Bashar Al Assad, um pseudo durão que não sobreviveria a uma noite sem escolta na favela do Canão no Brooklyn Paulistano, mas que escondido em um palácio cercado de puxas sacos e um exercito de desvalidos, acaba com a vida de seu próprio povo sem piedade alguma.

Seu corpo, jaz agora em algum cemitério na mesma Síria que te expulsou, Aylan. Teu pai, voltou para lá e o sepultou, junto com seu irmão e mãe. Você agora pode dormir Aylan. Não haverá mais bicho papão, nem Estado Islâmico batendo em tua porta. Al Assad agora não pode mais te fazer mal e as águas frias do mar não te tocarão mais o corpo inocente e nem por ele entrarão.

Você não vai mais jogar bola, não vai estudar, se formar. Não terá uma família como seu pai teve. Não vai descobrir como é emocionante o primeiro beijo que damos em alguém. Não vai correr contra o vento em um dia de chuva. Vai apenas dormir, Aylan. Vai dormir sem ser mais incomodado por quem quer que seja. Não verá pessoas chorando por porcos quando deveriam chorar por pequenos inocentes como você. Não vai  pesar sobre você o medo, o frio, a fome e a sede. Tudo isso não te pertence mais, Aylan, porque agora você dorme, enquanto os teus algozes, celebram. E que eles celebrem enquanto podem celebrar, porque a justiça será feita, pequeno Aylan, de uma forma ou de outra, a justiça truinfará. Ao contrário do que possa parecer, ela sempre triunfa.

Então, dorme em paz, Aylan.

É isso.

Ouvindo: Maria Callas


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