sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Uma Chamada de Vídeo Com Minha Mãe (No Aguardo De Um Telefonema)



Fazia muito, muito tempo que não falava com minha mãe vendo a sua face. Fizemos, pois, uma chamada de vídeo, esse lance de tecnologia não é comigo, algo que herdei de minha progenitora e para que ela conseguisse fazer esta chamada, teve que ter ajuda de uma de minhas tias a  tia Jacira. Obrigado, tia.

Minha mãe mora em Naviraí, Mato Grosso do Sul e até onde eu me lembre local de minhas primeiras lembranças familiares. Não nasci lá, mas passei uma temporada na casa de meus avós. Uma cidade quente que eu particularmente não gosto muito, mas minha família se estabeleceu por ali, pela região, ao menos uma parte dela.

Sobre minha mãe entre outras novidades ela descobriu após alguns exames que esta com Cirrose Hepática, uma doença que ela desenvolveu graças a uma vida toda dedicada ao álcool em suas mais variadas apresentações. Não julgo minha mãe, uma vez que não julgo a ninguém e sendo assim seria horrível julgar minha própria progenitora, mas não consigo deixar de sentir pena de sua situação e me entristeço e muito, por este motivo.

Na verdade, sinto pena também de mim, porque sei que os dias de minha mãe estão chegando ao fim e logo chegará o dia em que receberei um telefonema em que isso me será confirmado. Eu não tenho vontade de ir visita-la por mais que eu saiba que devo fazer isso. Não sei se sou egoísta demais mas eu tenho mesmo como eu disse é pena mesmo é de mim nesta história toda. Jamais desvalorizarei os múltiplos esforços que minha mãe empreendeu para minha criação pois sendo Enfermeira por profissão limpou muita privada de casa de playboy por ai para por comida na mesa. Jamais desprezaria isso, pois dava plantão nos hospitais sempre noturnos para ganhar mais e depois durante o dia ia ser doméstica. Me orgulho de seu esforço e digo que o que aprendi de mais forte com a observação diária de minha mãe foi a obstinação pelo trabalho, seja ele qual for, sua paixão por fazer da melhor forma possível ainda que estivesse limpando a casa de alguém.

Saber que minha mãe logo vai morrer me faz muito triste, é claro, mas tenho uma filha para criar, uma família para sustentar e meus clientes não querem saber de minhas desventuras, querem saber do melhor preço possível para adquirir seus imóveis. Nada mais interessa a eles. Eu me sinto só porque embora não julgue ninguém recebo julgamento diários dos mais diversos e isso me acaba. Não, não é um lamento, nem tenho tempo para isso, mas me pego pensando em porque as coisas são assim e se um dia mudarei isso.

Minha criação me fez uma  pessoa extremamente tímida embora não pareça. Tenho dificuldade em ir a casa de pessoas por exemplo, a casa de qualquer pessoa. Sempre acho que no fundo não sou bem vindo. Lembro de minha mãe me levando as casas que ela ia limpar e de uma em específico em que a dona dava ordens expressas para que eu não saísse do ambiente da cozinha e da copa e se fosse usar o banheiro minha mãe tinha que avisar para que as pessoas saíssem do caminho e não me vissem. Talvez por este motivo, não sei, tenho eu extrema dificuldade de ir ao banheiro na casa de quem quer que seja, as vezes minha bexiga quase explode, mas seguro ao máximo.

Aprendi com minha mãe a não ter vergonha de nada se estiver fazendo as coisas de forma honesta. Ela sempre me dizia, não pegue nada de ninguém, mas se precisar, peça. Descobri com o tempo que pedir te faz ser visto de forma menor pelas pessoas, ao menos pela maioria delas. Dá motivos para que elas te ofendam, humilhem e te coloquem no "devido" lugar. Desde que descobri isso corro para ser uma pessoa independente. Nem sempre dá, mas tento. Não tem tempo ruim pra mim. Não tinha tempo ruim para minha mãe.

Hoje entendo que a bebida sempre foi sua válvula de escape e por mais que não aprove a conduta não posso condena-la. Minha mãe foi uma mulher muito bonita, inteligente, eu admirava a sua rapidez de raciocínio, sua espirituosidade e sua disposição em me agradar em pequenas coisas. Quando eu era criança a antiga CMTC a cia de ônibus da cidade tinha umas linhas especiais chamadas de executivo. Por algum motivo que só criança entende eu amava andar naqueles ônibus, me sentia importante mas eles eram muito mais caros que os ônibus normais. Ainda sim, minha mãe sempre dava um jeito de andarmos neles para me agradar e sempre comprava um Diamante Negro para eu comer no bus. Pode parecer bobo, mas sei do esforço que era para ela fazer isso.

Durante quatro anos da minha vida morei entre Moema e a Vila Nova Conceição. Anos de fartura, carros bons, roupas melhores ainda e uma sensação de vazio permanente por achar que eu não pertencia aqueles locais. Ia a restaurantes em que a comida não me descia legal porque tinha vergonha de estar ali. Ainda hoje quando passo pela região me pergunto o porque de ter ficado  tanto tempo. Lembro que levei minha mãe um dia para conhecer meu apê e ela sentiu-se também desconfortável porque simples como era achava o bairro opressivo demais para ela. Como pode esse lance de traços genéticos né? A mesma sensação que ela me relatou eu sentia. A mesma!

É difícil saber que sua mãe vai morrer. Claro, todos morremos, mas quando digo que  sinto pena dela é porque eu sei que ela como eu jamais ia querer este sentimento mas simplesmente não consigo deixar de senti-lo. Admiro todo o seu esforço mas a visão que tive de minha mãe, magra, com alguns dentes faltando, falando com dificuldade e com aquele estado de semi embriaguez característico me abalou profundamente. No caminho entre minha casa e o plantão de vendas só consigo pensar ultimamente na vida e em suas injustiças. Minha mãe trabalhou anos, talvez os melhores de sua vida em um hospital na Zona Leste de SP. Ela amava aquele lugar  e sempre que pediam dobrava plantões, fazia o que fosse preciso. Os donos esconderam  que o local estava para falir e minha mãe após mais de 15 anos lá saiu sem rescisão, fundo de garantia, nada! Uma lástima! Acho que até eu que repudio o álcool teria bebido até cair. O que ela fez?  foi procurar outro hospital para trabalhar. Arranjou dois e largou as faxinas.

Mais uma vez a vida fez uma intersecção entre a história dela e a minha. A empresa que mais me empenhei, onde trabalhei com afinco e afeto me tratou como lixo, como se eu fosse ninguém. Para minha alegria estou em uma melhor, muito melhor, mas a mágoa é difícil de dissipar. Sei que minha mãe carrega muitas mágoas também e conforme eu  ia falando com ela e vendo sua expressão eu pude perceber que a vida não lhe sorriu.

O mais importante de tudo foi perceber que amo minha mãe profundamente e sou grato a ela por tudo o que fez por mim. Não importa os erros que ela possa ter cometido, se na minha percepção ela amou mais a minha irmã Fernanda que a minha e minha irmã Amélia, nada disso. Minha mãe guerreou por mim, por nós e se fraquejou em sua vida pessoal, não é de minha conta, ainda que tenha me afetado em certa medida, eu só posso ama-la e honrar o seu sacrifício e suor derramado.

Por mais triste que esta conversa tenha me deixado, me lembrou muito de quem eu sou e quem minha mãe é e o que representa para mim. Meus medos, de como ela me abraçava, minha mãe não contava histórias pra eu dormir, mas me dava livros. Muitos livros e graças a ela aos 5 anos eu já sabia ler e escrever. Ela não podai ter feito nada melhor por mim do que isto. Me alfabetizar e me mostrar o mundo das letras onde tudo é possível e a imaginação voa.

Saber que em breve receberei um telefonema anunciando que minha mãe se foi me causa uma dor imensa porém a vida vai seguir e talvez até eu me vá antes, porque não? De qualquer forma, devo prosseguir, com minhas lutas aprendendo com derrotas e vitórias que virão. A vida, é assim,

É isso.

Ouvindo: Pentatonix


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