Minha mãe era enfermeira. Uma excelente enfermeira diga-se de passagem. Quando a coisa apertava, ela fazia bicos como diarista. Nunca teve vergonha de trabalhar e se jogava em jornadas duplas sem medo. Mas minha ã tinha também um lado sensível muito forte e aflorado, era uma artista que nunca foi. Poderia ter sido atriz, escritora e tinha uma voz de contralto espetacular sem puxar a brasa para a sua sardinha.
Esse lado sensível que ela tinha, conseguiu passar todo para mim. Sim, apesar de ser uma pessoa brutal na maioria das vezes, sou sensível o tempo todo. Sinceramente eu preferia que não fosse assim. A sensibilidade em demasia acaba pesando. E com o peso, acaba vindo também a dor.
O problema da dor não esta na intensidade e sim n recorrência. Quando ela já faz parte da sua vida, é necessário um desafogo, um escape. O da minha mãe, era a bebida. A bebida matou minha mãe pois certamente seu câncer se originou do excesso de álcool ingerido ao longo dos anos. Eu sempre tive muita raiva de pessoas que bebem pois sempre me lembravam minha mãe mas Heleninha Roitman, a 2 noites atrás me fez olhar as coisas de outra forma.
Minha mãe não tinha a beleza de Paola Oliveira, mas digo sem pestanejar que seria uma atriz muito melhor pois Paola nem atriz é. No máximo, um arremedo mal ajambrado que funciona em papéis sem profundidade e sem expressão quando não se espera nada do personagem.
Paola esta em Vale Tudo, novela que não suportava assistir quando era um pré adolescente exatamente por conta de Heleninha, que a época era interpretada de forma espetacular por Renata Sorrah. Eu via minha mãe na tela e isso me incomodava extremamente. Porém algo aconteceu a 2 noites passadas quando Paola, tomada por uma interpretação que dificilmente repetirá, me mostrou minha mãe como eu nunca a tinha visto em vida: Frágil, derrotada por um vício que certamente não queria ter e incompreendida por quem deveria lhe estender a mão.
O choro sentido e visceral de Paola ao ser flagrada completamente tomada pela bebida mis uma vez derrotada em sua vontade de manter-se sóbria me lembrou as inúmeras vezes em que minha mãe teve o mesmo choro jogada em um sofá relembrando a filha que mais amou e que morreu tão cedo pra sua infelicidade. Por mais que ela ouvisse de todos que a vida continua, para ela, parou ali, naquele dia em que enterrou sua filha. Depois disso, só sobrou a tristeza por perder a quem mais amava misturada com a necessidade de criar os outros 2 filhos.
Por mais que ela lutasse, nunca conseguiu se livrar da bebida que se não a fazia esquecer da filha ao menos amenizava, creio eu a sensação de dor latente e recorrente que sentia. Eu nem vinha assistindo Vale Tudo nessa versão remake que além de pessimamente escrito vem acompanhado de atuações sofríveis e de rolar de rir de tão ruim (com exceção de Deborah Bloch e Alexandre Nero que estão se divertindo e divertindo a quem assiste), mas quando a cena de Heleninha lutando para não beber e perdendo a luta veio ao ar, não consegui me livrar de assistir até o final.
Lembrei também de Amélia, minha irmã que morreu de overdose me deixando definitivamente sem família neste mundo e me fazendo refletir se meu vício em Coca Cola é sorte ou apenas uma forma mais lenta de auto destruição uma vez que tenho Diabetes tipo 2. De qualquer forma, a 2 noites atrás absolvi de vez minha mãe de todas as suas recaídas e compreendi que sua luta foi travada ao longo de anos com algumas vitórias mas infelizmente com uma batalha perdida para o vício.
Não pretendo ver novamente nenhuma cena de Paola como Heleninha, mas esta última me fez sentir uma tristeza imensa por não ter compreendido que o vício de minha mãe não lhe trazia prazer e sim dor, muita dor e no fim lhe trouxe uma morte precoce. Quanto a mim, nem luto contra Coca Cola e que aconteça o que tiver que acontecer. Vida que segue até que o fim chegue.
É isso.
Ouvindo: Adele
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