sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Carta para Fernanda (minha irmã que morreu), ou seja, carta para nignuém


Antes de mais nada, uma confissão. Quando você morreu, eu senti inveja de você. Não por você ter morrido, mas ali ficou claro: Nossa mãe te amava com todas as forças. Você simplesmente não tem ideia de como foi devastador para ela ter que lidar com sua morte. Ela só chorava e chorava e chorava mais um pouco. E nos intervalos, bebia. Eu queria, me desculpe a sinceridade, que ela tivesse gostado de mim, apenas 10% do que ela gostou de você. Mas veja, jamais te culparia. Jamais! Não me entenda mal, muitos já fazem isso.

Hoje é um dia especialmente triste para mim, mana. Eu falhei mais uma vez. Eu sempre tenho falhado sabe? Em tudo. Em todas as áreas da minha vida. De forma patética, de forma absolutamente irremediável. Eu falho. É triste, Fe, mas é a mais cristalina verdade.

Veja, se não fosse verdade estaria eu falando com uma menina morta? Que jamais vai ler o meu lamento? Falo na verdade com sua memória e com os únicos anos realmente felizes de minha vida que foram os que você esteve ao meu lado. Não sou maluco né minha irmã querida, sei que você não vai me responder e nem nada, mas estes momentos em que eu te busco, eu busco na verdade o seu sorriso em minha lembrança, eu busco a forma em que nos abraçavamos e eramos um só. Eu sinto, de verdade que mesmo tão novinha e tão inocente, você me amou. E sou grato a você e sou grato por ter a lembrança de seus cabelos loiros e cacheados como campos de trigo ainda tão viva em minha mente.

Sabe o que me entristece, Fe? Desde sempre eu sinto que minha presença sempre é imposta, nunca bem vinda. Sim, eu tive amigos, dois na verdade, mas não soube mante-los. Eu sempre me saboto minha irmã querida. De uma forma ou de outra, eu me saboto. Eu mesmo me encarrego de destruir todas as minhas oportunidades. Sou perito nisso. Eu tive duas amizades das melhores que qualquer pessoa pode ter mas simplesmente as destruí. Culpa minha, assumo total responsabilidade, como em tudo alias, eu assumo total responsabilidade. A culpa sempre é minha, e isso não é auto comiseração. Simplesmente é assim que é. Dai sempre me pergunto: Será que se você fosse viva, teria paciência para mim? Ou te afastaria também?

Eu me tornei corretor de imóveis., Um bom corretor sabe? Dos melhores, Fe, não tenho medo de afirmar. Mas sou também dos piores. Por que meu relacionamento é 0. Eu trabalhei já com diversos gerentes, mas sempre mana, sempre fui tolerado. Meus resultados sempre fazia com que eles não tivessem como me chutar de suas equipes. Trabalhei com gente legal e gente chata, mas sempre tomo o cuidado de as pessoas legais eu não gostar sabe? Me manter neutro. Porque eu sei que não gostarão de mim. Eu chego nos meus plantões e coloco meu fone de ouvido e me mantenho imerso porque as pessoas não gostam de conversar comigo Fe. Não que eu diga absurdos gritantes, mas não sei, alguma coisa em mim faz com que elas não curtam a minha presença. Sabe o cara que chega em uma roda e logo a roda se desfaz? Sou eu. Isso dói, Fe. Porque por mais que eu tenha uma capa de "não to nem ai", sim, eu estou muito ai. Eu vou acumulando, sofrendo calado. Dai, chega um dia em que por algum motivo aparentemente banal eu estouro com o primeiro que aparece. Coisa de louco, mas sou assim, mana. Isso é horrível! Porque se mo ouvissem, veriam que não sou um monstro, uma pessoa absurda, nada disso.

Então, eu vou lá e vendo. E fico jogando minhas vendas na cara dos outros. Porque quero que me notem. Quero como qualquer pessoa, ser amado, Fe. Mas não tenho carisma. Uma porta camarão tem mais carisma que eu. O que eu consigo é parecer ainda mais o que eu não sou. Arrogante, chato,  metido a besta e alguém de quem se quer distância. Não sou, mas acabo me tornando.  Como eu te disse, minha presença sempre é imposta. Tenho muita vergonha deste meu atual gerente sabe? Já arrumei confusões homéricas que resvalam nele, porque ele tem que arrumar o meio de campo pra eu continuar trabalhando. Me envergonho profundamente e sei que se eu fosse um mediocre já teria sido chutado a muito tempo. Na verdade mesmo sendo acima da média, ja deveria ter sido chutado. Não mereço nada muito diferente disso.

Não sei, Fe, nem porque estou dizendo tudo isso para você. Conspurcando a lembrança linda que tenho de você com tantas lamentações vazias. Acho que é porque hoje eu falhei de novo como te disse no inicio. Falhar dói demais, Fe. Falhar expõe o pior de mim, mas no meu caso é ainda mais degradante porque me lembra que não tenho um lado "melhor" para mostrar. Eu não tenho nada de bom, Fe, que agrade as pessoas. Acha que nossa mãe  em um exercício premonitório escolheu não me amar para não se decepcionar com o filo que teve? Acha que meu pai nem quis aparecer na minha vida pra não  levar as mãos a cabeça em desespero ao me ver?

Eu fiz uma coisa boa na minha vida, mana. Só uma. Minha filha.  Ela é linda, inteligente como eu nunca serei e poeta. Tem alma de artista sabe? Eu me orgulho demais dela, mas sei que a decepciono o tempo todo.  Tenho absoluta certeza que se ela pudesse escolheria outra pessoa para ter como pai e eu não a culpo. Eu simplesmente não consigo ser um exemplo de pessoa equilibrada e legal que ela deveria ter. Mas eu a amo Fe! Há, isso eu posso te afirmar. Um amor como jamais haverá outro em minha vida.

Eu queria muito que você estivesse ao meu lado agora, Fe. Queria te abraçar, queria dar risada com você, ou apenas chorar ao seu lado. Sei que você me entenderia ou talvez eu apenas me conforte com o fato de você já ter partido e eu não poder dizer que você me detestaria como todos. Veja a que ponto cheguei, minha irmã, prestes a fazer 42 anos de idade. A única pessoa que tenho certeza que me amou viveu a mais de 30 anos atrás e hoje tudo que eu tenho dela é uma lembrança que levarei até o dia que eu morrer também. Podia ser logo. Mas eu não tenho tanta sorte assim.

Obrigado pela paciência de ficar em minhas memórias até eu terminar este tolo desabafo.

É isso.

Ouvindo: Pato Fu

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