Olhando em direção ao horizonte, dava para ver alguns surfistas com macacões pretos de Neoprene. A cor preta dos macacões em contraste com o azul do mar os tornava uma imediata referência visual e por mais que o mar estivesse especialmente agitado naquele dia, eles insistiam em equilibrar-se em suas pranchas, aparentemente sem medo algum de afundar e não mais retornar a superfície.
Ele pensava na coragem daqueles rapazes enfrentando um frio avassalador apenas pelo prazer da aventura, pela emoção de sentir a adrenalina tomando conta de cada poro do corpo de sentir enfim, a sensação de ser um super herói que desafia o perigo, o mar, a lógica e no final receber o triunfo de ter simplesmente sobrevivido e ter mais uma história para contar.
A ele, restava o frio e a beleza melancólica da neve que caia de forma intermitente antes seus olhos e cobria a areia original com um camada de um branco tão belo e plácido que fazia parecer ser impossível que houvesse areia por baixo. Havia definitivamente uma beleza triste naquele quadro composto por ele a neve e o mar e por mais que o frio o açoitasse com ventos severos e seu rosto estivesse ficando curiosamente afogueado, de um vermelho que ele nunca havia notado em si mesmo, ele se sentia em paz a observar aqueles surfistas com macacões pretos de Neoprene.
Havia um Sol que embora compusesse lindamente a paisagem não cumpria seu papel de deixar o ambiente quente. Era quase que uma luz de apoio a quem quisesse fotografar e eternizar o momento. O vento gelado vencia seus raios tímidos até ali e embora os surfistas bravamente resistissem a ele continuando sua batalha contra o mar, ele apenas agradecia aos céus por estar com grossas luvas protegendo suas mãos. Quanto ao Sol, jamais havia imaginado que pudesse ser apenas beleza, sem a função de aquecer. Era uma tarde de beleza lírica mas também de aprendizado.
Não deveria nevar em praias, ele pensou. Mas logo lembrou que este é um pensamento latino, um pensamento que só encontra respaldo em suas plagas, onde o Sol é uma constante que muita vezes irrita tanto quanto aquece. Não, nada é perfeito afinal. Se bem a sua frente o mar é de um infinito azul, a neve que cai o inviabiliza. Bom ao menos para ele, já que os surfistas, cada vez mais longes mar a dentro estão aproveitando.
Os surfistas continuam seu ballet caótico com as ondas que parecem cada vez mais revoltas, exatamente como eles gostam. O perigo tão absurdamente real parece simplesmente não existir em meio a beleza daqueles corpos que se equilibram de forma tênue naquelas pranchas que parecem que a qualquer momento vão arrebentar com a força das águas assim como os seus sentimentos que agitam-se dentro dele como ondas prestes a quebrar seu já fragilizado interior e inundar o seu entorno externo levando de roldão tudo o que estiver a sua volta.
Esta frio, muito frio ali naquela faixa de areia que se mistura a neve que insiste em cair. Luvas, cachecol, casaco... Isso é roupa para ir a praia? Tristeza, lágrimas, solidão... Isso lá é forma de se viver? A neve caindo sem parar mascara as lágrimas que rolam e a beleza do quadro torna a tristeza uma coadjuvante deste beleza. "A vida é estranha muitas vezes", ele pensou por fim. Tão estranha como uma tarde em uma praia onde não para de nevar e onde surfistas com suas roupas de Neoprene dançam para se equilibrar nas ondas geladas.
É isso.
Ouvindo: David Bowie
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