segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Outubro

 

Foi em Outubro, no começo dele, a 3 anos atrás, que minha mãe começou a me deixar. O câncer que ela tinha se tornou mais agressivo e as visitas ao hospital para consultas e quimioterapia foram se tornando parte de sua rotina. No final daquele ano, em Dezembro, no dia 29 ou 30, não me lembro bem, ela se foi. Fizemos uma chamada de vídeo durante a noite anterior e no dia seguinte ela morreu. Simples assim. Nunca mais  vi ou ouvi sua voz. Restaram memórias. E elas, as memórias, também estão se esvaindo aos poucos. 

Memórias, e falo das minhas, são uma parte  difícil de se manter. Se tornam difusas, como cinzas que se jogam contra o vento e logo somem no descampado da vida. Tento não jogar as memórias que tenho de dona Alexandrina ao vento, mas me parece que contra minha vontade elas estão tomando este curso. Só consigo lembrar de poucos e confusos momentos que estive ao seu lado, embora alguns ainda muito significativos estão (por enquanto), intactos em minha mente.

Não sei se tem algo a ver com a idade, mas tenho sonhado cada vez mais. Ou ao menos, tenho me lembrado cada vez mais dos meus sonhos. Nunca fui de me lembrar com o que sonhava, ao ponto de achar que nem o ato de sonhar eu vivia. Mas descobri que todos sonhamos, apenas uns lembram mais que os outros. Não sonho com a minha mãe, mas com momentos que vivi e em que ela foi determinante. Não sei se tem a ver com o fato de sentir saudades, mas são momentos que me confortam.

A ausência de minha mãe me fez perceber que sou um solitário. Não por não ter pessoas em volta, mas por não querer conversar com elas. Meu time, o Santos ganhou ontem. Não quis falar com ninguém sobre a genuína alegria que se apossou de mim ao ver finalmente depois de tanto tempo meu time jogar de forma bonita ou no mínimo aceitável. Tenho vergonha de falar sobre este tipo de assunto com quem quer que seja. Me parece trivial demais, me assalta o receio de parecer idiota falando sobre isso e dai fico quieto. Ela era assim. Guardava seus assuntos para ela mesma, falava pouco, mas tínhamos opiniões muito parecidas e uma forma de ver o mundo que era quase idêntica.  Sinto falta de suas poucas palavras.

Tenho medo do que me tornarei daqui a alguns anos. A cada dia fico um pouco mais ranzinza, pouco afeito ao convívio social. Ontem, antes de dormir vi uma matéria de uma cidadezinha Italiana no alto de um monte que não tem 50 casas. Eu moraria fácil ali. Poderia passar anos sem falar com quem quer que seja ou falando o mínimo necessário. Eu seria feliz assim. Mas seria mais feliz se tivesse aproveitado mais tempo ao lado da  minha mãe e sobretudo se ela ainda estivesse viva.

Todo Outubro de três anos para cá, marca um período em que eu sabia que logo  perderia. Eu vivi negando, dizendo para mim mesmo que ela viveria ainda muitos e muito anos. Não foi o que aconteceu. Que lástima!

É isso.

Ouvindo: Out Of The Grey

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