sábado, 19 de abril de 2025

Pessoas Que Dançam

 

Osasco, minha cidade, não onde nasci, (nasci em Guarulhos), mas que me adotou a 11 anos, ou fui eu que a adotei? Sei lá... Enfim, Osasco, que é rica e próspera, que atrai empresas de tecnologia de ponta, tem a loja da rede Carrefour que mais fatura no Brasil, que tem a ponte metálica (um orgulho pra lá de bizarro da galera de Osasco, uma vez que é um monumento ao mal gosto). Osasco, enfim, que é e tem tudo isso, tem também uma mini Cracolândia.

Fica ao lado do terminal rodoviário e da estação CPTM e não obstante ter uma fração do tamanho da Cracolândia original do centro e SP, em usuários e bêbados e prostituas o suficiente para chocar os que por ali passam seja diariamente, seja uma vez ou outra.

Passo ali todos os dias  a pé no inicio do dia e no inicio da noite cortando caminho para minha casa e de tanto caminhar acabei desenvolvendo uma certa "amizade" com algumas figuras dali. O "segurança" do desmanche de veículos que fica na  rua e é também o loca onde drogas ficam armazenadas como se fosse um centro de distribuição do tráfico, o dono da Barbearia onde corto o pouco de cabelo que me resta e aparo o exagero de barba que tenho e algumas outras pessoas, figuras tão trágicas quanto pitorescas.

Dentre todas essas figuras se destacam para mim o grupo de mulheres que ficam por ali. Mulheres marcadas pela vida. Roupas velhas, acabadas, magras não por escolha estética mas pela fome que ronda as suas vidas e pela droga que pode até enganar a fome mas não seus sinais, elas dançam. Sim, ela dançam, pois ali existe um bar, (o pico onde tudo acontece) e nesse bar a música rola o tempo todo.

Enquanto os homens ou vagam sem rumo  entre uma ponta a outra rua ou se sentam no meio fio olhando para o nada elas dançam. eu paro ali as vezes e observo. Elas dançam  dançam com vontade. Uma delas me lembra Baby Consuelo, quando era pouco mais que uma menina e uma TV Alemã  a gravou com os Novos Baianos cantando e dançando (parecia mais uma espécie de transe) "A Menina Dança".

E o mais exótico ´que as caixas de som reproduzem de sertanejo a rock  e elas dançam. Dançam como se daquela dança dependesse a vida, ou melhor, não a ida mas a sanidade que  vida requer. A dança delas é como um grito "EI, ESTAMOS AQUI, EXISTIMOS!" E essa ânsia de existir as revela para além das roupas sujas e surradas, muito além dos rostos inchados da bebida ingerida a todo momento, a dança as faz ainda mais vulneráveis pois as faz humanas e todos nos humanos somos vulneráveis em alguma medida.

Elas dançam e se diverte entre si mesmo que momentos depois estejam se pegando pelos cabelos por conta de mais um pulo no abismo do crack. Elas dançam sempre em grupo e quando dançam, são irmãs e são bailarinas do absurdo e essa que me lembra Baby, bem que poderia ser realente uma artista se  vida não a tivesse aprisionado na Cracolândia de Osasco, que existe, que as autoridades de Osasco sabem que existe mas nada faz para mudar a situação.

Quando paro e as vejo dançar eu me comovo. Nas 2 primeiras vezes fui abordado por um traficante que me ofereceu pó, pois achava que pedra não era minha cara, agora ele já sabe que não quero nada mas batemos papo. Enquanto isso, a menina dança. como diz Baby, mexendo os olhinhos.

É isso.

Ouvindo: Novos Baianos

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