segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Dia de Finados (outra carta para Fernanda)


Fernanda:

Hoje eu acordei achando que meu dia seria como qualquer outro. Tomeu meu banho, tomei café da manhã com minha mulher, brinquei (do meu jeito) com a gata.

No entanto, quando me coloquei a caminho do trabalho, e vi as ruas praticamente desertas em decorrência do feriado, me lembrei que hoje é o dia que as pessoas usam para prestar homenagem a quem morreu. Creio que você entenda que não posso fazer tal coisa por você, afinal não creio neste tipo de coisa, você morreu, este texto eu escrevo para mim mesmo, para consolar e lidar com a minha própria dor, sem qualquer expectativa irreal que ele chegue a você.

Mas fato é que novamente todas as minhas lembranças a seu respeito vem a minha mente. Seus olhos claros, seu cabelo cor de trigo  e principalmente a nossa conexão. Era especial não? As vezes me pergunto se essas lembranças não são frutos apenas de uma mente doentia, desesperada por uma referência positiva sobre mim mesmo ainda que ela se materialize em uma criança que morreu em tão pouco tempo e talvez nem tenha percebido o real significado de tudo o que projeto quando dela me lembro.

Espero ardentemente que não. Espero que nossa conexão tenha sido tão real como ela é quando me vem a mente e espero também que tenha te feito feliz de alguma forma. Sua vida tão breve foi tão importante para mim que não consigo imaginar a tristeza que me viria se um dia eu soubesse que te fiz algum mal.

Você sempre tinha o seu melhor sorriso para mim e ele sempre me confortava. Veja, seu irmão era tão perturbado ( e ainda é) que aos 8, 9 anos precisava de "conforto". Não me furto a dizer que o pouco que eu tenho de bom, aprendi com você, observando seu jeito aberto, sereno, sua voz tão doce, seus braços sempre abertos quando me via e eu me lembro que mesmo no dia em que você foi para o hospital para nunca mais voltar, você sorriu para mim. Um riso molinho, doente,  mas você sorriu.

Quando você morreu eu obviamente perdi a inocência de achar que tudo acaba bem na vida. Não acaba. Não na minha ao menos. A vida é dor e desespero e algumas vezes talvez existam raros momentos em que caiba um sorriso entre uma ou outra desilusão, mas no dia em que você se foi, eu percebi que o sofrimento iria me acompanhar enquanto vida eu tiver.

Mas tenha certeza que eu sempre lembrarei de ti com um sorriso, ainda que molhado por lágrimas de genuína saudade. Eu sempre terei as lembranças de nossa curta convivência gravadas na memória e tenho a esperança de reencontra-la na manhã gloriosa da vinda de nosso Deus pois você se foi sem mácula alguma, nenhuma maldade havia em você e certamente a ti está reservado o céu em sua plenitude pois não existe outro lugar onde posso imagina-la.

Meu mundo jamais foi o mesmo depois de sua partida. Mas de verdade é a sua lembrança que me mantém firme, que me impede de surtar de forma irrevogável. Hoje eu tenho uma filha e ela é tão linda e tão especial que eu tenho a  mais plena e absoluta certeza que você iria ser a tia mais orgulhosa do mundo se tivesse tido a oportunidade de conhece-la.  Fernanda, eu tenho feito o melhor que posso para viver com alguma normalidade, mas confesso que me é díficil demais. Existem momentos em que o peso que sinto em meus ombros é tão insuportavelmente grande, dolorido mas sei que tenho que ir levando.

Por outro lado sei que a sabedoria de Deusé infinita e ter permitido a sua partida foi algo que ele fez de muito bom e positivo. Creia-me, neste mundo em que vivo hoje, alguém com sua alma tão pura não teria espaço, não teria razão de ser então, me conforta o fato de saber que seu sono te priva de ver tanta maldade com eu vejo diariamente.

Amo você e sempre amarei, minha irmã querida e espero que um dia, naquele grande e glorioso dia, em meio a multidão eu possa ver seus olhos lindamente claros e seus cabelos de trigo esvoaçando e ouvir sua voz me chamar "Davizonhoooo".

É isso.

Ouvindo: Heritage Singers

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