Sempre fui considerado quando criança, um pouco retardado. (Muitos ainda acham hoje em dia). Confesso que meu comportamento errático, bobolino, meu jeito de ficar com uma risadinha nervosa sempre a postos, a agressividade latente e uma resposta sempre pronta e calcada em palavras ininteligíveis para garotos de 8 a 10 anos eram motivos suficientes para me classificar como não muito normal, por assim dizer, embora a normalidade seja um conceito complicado de se tabular.
Dai, ao jogar futebol, coisa que sempre amei fazer na juventude, era sempre o último a ser escolhido para o time. Na verdade se garotos em número ímpar era o que havia, eu nem escolhido era e tinha que ficar assistindo. Um pouco triste para quem gosta de jogar e tinha que se contentar as vezes em olhar.
Um dia, tive uma idéia. Nunca soube jogar futebol na linha, esta é a verdade. Tenho a tal visão de jogo, mas a habilidade é zero. Só completo os times que jogo, nada além disso. Depois de mais uma tarde assistindo, cheguei no outro dia ao nosso campinho e disse que jogaria no gol. Fui o primeiro a ser escolhido. Ninguém gosta de jogar no gol em nosso país. Claro que temos excelentes goleiros no nossos times de futebol profissional, mas poucos queriam de fato ser goleiros, a linha é o sonho de consumo de todos.
Eu, no entanto, me conformei. Queria jogar, foi a forma que arrumei. E quer saber? Gosto hoje de jogar no gol, gosto muito. Não é o fim do mundo, ao contrário, existe um prazer mal disfarçado em evitar o que todos querem que é o gol. Por sádico que seja, é gostoso ver a frustração que o lance perdido gera, o grito abafado, preso na garganta, a raiva ardendo no peito por conta de um esticar de braços ou pernas que evita que a bola morra suave e malandra no fundo das redes. Sempre dou um sorriso ciníco e de satisfação a cada defesa.
Chamar goleiros de santo, como o São Marcos, São Victor, entre outros, é uma ofensa ao conceito de santidade. Goleiros são demônios que evitam o g não poderia ozo, que bagunçam mentes e corações, que interrompem o coito sem dó e ainda gostam do que fazem. O anticlimax do futebol se personifica em suas mãos e quando o habilidoso atacante é parado por seus movimentos elásticos, ouve-se seja no Maracanã, seja em qualquer outro campo de várzea o som da fúria da torcida personificado em palavrões e impropérios que ditos sem dó ofendem desde o próprio até sua família que nada tem a ver com isso.
Eu, seja por personalidade, seja por que outro motivo for, não poderia ter escolhido outra posição para jogar. Fazer o que todos fazem ou querem fazer nunca foi algo que eu tenha almejado para mim. Evitar o gol e com isso causar o furor, realmente me traz satisfação, por mais maluco que isso possa parecer.
É isso.
Ouvindo: Skank
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