terça-feira, 10 de novembro de 2015

Eu Goleiro


Sempre fui considerado quando criança, um pouco retardado. (Muitos ainda acham hoje em dia). Confesso que meu comportamento errático, bobolino, meu jeito de ficar com uma risadinha nervosa sempre a postos, a agressividade latente e uma resposta sempre pronta e calcada em palavras ininteligíveis para garotos de 8 a 10 anos eram motivos suficientes para me classificar como não muito normal, por assim dizer, embora a normalidade seja um conceito complicado de se tabular.

Dai, ao jogar futebol, coisa que sempre amei fazer na juventude, era sempre o último a ser escolhido para o time. Na verdade se  garotos em número ímpar era o que havia, eu nem escolhido era e tinha que ficar assistindo. Um pouco triste para quem gosta de jogar e tinha que se contentar as vezes em olhar.

Um dia, tive uma idéia. Nunca soube jogar futebol na linha, esta é a verdade. Tenho a tal visão de jogo, mas a habilidade é zero. Só completo os times que jogo, nada além disso. Depois de mais uma tarde assistindo, cheguei no outro dia ao nosso campinho e disse que jogaria no gol. Fui o primeiro a ser escolhido. Ninguém gosta de jogar no gol em nosso país. Claro que temos  excelentes goleiros no nossos times de futebol profissional, mas poucos queriam de fato ser goleiros, a linha é o sonho de consumo de todos.

Eu, no entanto, me conformei. Queria jogar, foi a forma que arrumei. E quer saber? Gosto hoje de jogar no gol, gosto muito. Não é o fim do mundo, ao contrário, existe um prazer mal disfarçado em evitar o que todos querem que é o gol. Por sádico que seja, é gostoso ver a frustração que o lance perdido gera, o grito abafado, preso na garganta,  a raiva ardendo no peito por conta de um esticar de braços ou pernas que evita que a bola morra suave e malandra no fundo das redes. Sempre dou um sorriso ciníco e de satisfação a cada defesa.

Chamar goleiros de santo, como o São Marcos, São Victor, entre outros, é uma ofensa ao conceito  de santidade. Goleiros são demônios que evitam o g não poderia ozo, que bagunçam mentes e corações, que interrompem o coito sem dó e ainda gostam do que fazem. O anticlimax do futebol se personifica em suas mãos e quando o habilidoso atacante é parado por seus movimentos elásticos, ouve-se seja no Maracanã, seja em qualquer outro campo de várzea o som da fúria da torcida personificado em palavrões e impropérios que ditos sem dó ofendem desde o próprio até sua família que nada tem a ver com isso.

Eu, seja por personalidade, seja por que outro motivo for, não poderia ter escolhido outra posição para jogar.  Fazer o que todos fazem ou querem fazer nunca foi algo que eu tenha almejado para mim. Evitar o gol e com isso causar o furor, realmente me traz satisfação, por mais maluco que isso possa parecer.

É isso.

Ouvindo: Skank

Nenhum comentário: