sexta-feira, 28 de abril de 2023

O Caso Do Crepe De Chocolate

 

No andar que eu trabalho tem uma maquina daquelas que vem doces, refrigerante, salgadinhos e até pequenas refeições para esquentar no micro-ondas. Com a Diabetes em alta eu simplesmente busco evitar o caminho da tal maquina, mas ela fica no trajeto entre o elevador e a minha mesa, ou seja, eu sempre a vejo e curiosamente ela parece sorrir para mim.

Agora a pouco, não resisti e comprei um crepe de chocolate. Sinceramente, raras vezes eu investi tão bem um dinheiro seja ele de que valor for como neste crepe. Eu estava triste. Alias, eu sou triste, basicamente a tristeza me acompanha quase todos os dias e eu nem ligo mais para isso. É como se fosse uma roupa que eu ao acordar de manhã coloque para então partir para as tarefas diárias. Ser triste não é o fim do mundo e eu começo a duvidar que o mundo terá fim. Acho que talvez ela vá apenas se renovando através das extinções em massa que periodicamente ocorrer. Certamente estamos perto de mais uma.

Divagações a parte, não e que existam motivos específicos  para eu ficar triste. Eu simplesmente sou. O mundo me pesa muito mais do que deveria pesar e eu não vejo alegria no cotidiano. Acho tudo muito chato e aborrecido não mais do que eu mesmo, talvez o cara mais chato e aborrecido que exista, mas o fato é que dentro do meu micro-verso, o lugar onde habito em mim mesmo, toda decoração em tons pastéis só reforça a pouca luminosidade com que vejo o mundo.

Voltando a maquina e ao investimento que fiz, ele se refere a compra do tal crepe. A massa que envolvia o chocolate, molinha, e o próprio chocolate dentro dela, não tão doce a ponto de enjoar e nem tão insipido ao ponto de criar repulsa, me causou amor a primeira mordida. Percebi que existem refúgios  para a tristeza que eu desconhecia. A mordida neste crepe  e a fruição do sabor que ela espalha pela boca certamente é uma delas.

Do nada, o que era cinza ficou radiante, cheio de cor. Como uma luz que se acende e expulsa a escuridão, esse crepe expulsou a tristeza. Já pouco me importa se alguém disse para que eu não lhe dirigisse a palavra, se minhas inseguranças me atormentam, se todos a minha volta parecem felizes e combinam almoços onde boas risadas derivadas de boas conversas surgirão enquanto eu vivo no mundo do silêncio. Também não vem a tona as minhas frustrações com decisões equivocadas que tomei e me perseguem, as desilusões, a falta de grana, a falta de tantas outras coisas. Esse crepe me fez sorrir. 

Não aquele sorriso protocolar que a gente da para encerrar assuntos, mas um sorriso que a tempos não me vinha, um sorriso simples, que veio de dentro, da alma. Um crepe, um simples crepe. 3,50 dinheiros, praticamente nada. Hoje o mundo pode cair, eu estou em paz. Hoje podem enxovalhar a minha competência, podem me desclassificar, pode acontecer o que for. Eu estou em paz. 

Tenho Diabetes e posso morrer comendo doces e chocolates, mas esse crepe me daria uma morte feliz, digna. Existe uma tristeza em mim que é atávica, mas hoje, ao  menos por hoje, ela não vai me dominar. Tirei a roupa da tristeza e não me sinto nu. Me sinto liberto. Tudo por causa de um crepe de chocolate. Vou comer outro.

É isso.

Ouvindo: Point Of Grace

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