terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Quando a Chuva Cai

 

Quando a chuva cai, não torrencialmente, mas de forma suave, aquela chuva boa de dormir, boa de observar da sacada do 12 andar, aquela chuva que rega as plantas, que molha o chão as vezes tão árido que parece sentir saudades da água que vem dela vem, aquela chuva que mesmo chovendo lá fora, parece encharcar o coração e alma com a esperança de que dessa vez eles vão florescer, que vão se embelezar para seguir na vida de forma menos dura. Quando essa chuva cai, eu sinto paz.

Essa chuva me desliga de um mundo cada vez mais sem rumo onde para alguns Deus "vai evitar o Apocalipse" que para outros começara entre 5 e 10 anos e que para outros ainda, pode ser macetado por uma vocalista de trio elétrico. Essa chuva me aparta dessas e outras questões porque eu consigo observa-la e entender ainda que de forma confusa, que ela, a chuva tem sua finalidade que é trazer equilíbrio para o planeta e ainda sim, pode ser para mim um simples grão de areia na vastidão do universo alívio em meio a dores, enviado por aquele que o universo criou. A chuva, essa chuva que eu gosto de ver, pode então, por um breve momento, ter sido enviada apenas para mim, apenas para meu deleite, apenas para que eu não enlouqueça ante um mundo que me apresenta questões que cada vez mais eu não sei responder e situações que eu cada vez não consigo reagir a altura.

Hoje, por um breve momento, ela veio. Não durou 5 minutos. Acho que foi uma pancada daquelas que acontecem isoladas, como se só aquele local precisasse de sua presença. Não sei se o local precisava, mas eu sim. E a medida que ela caia e me acalma o coração eu percebi que muitas vezes fujo de questões que não quero lidar, principalmente quando se tratam de questões de morte. Uma amiga querida morreu. Dias atrás ela se foi. 

Nem tivemos a chance de nos despedir. Soube por terceiros e quando senti o travo amargo da dor em minha boca, logo me refugiei no "isso não me importa, vida que segue". Mas sim isso me importa, e me importa muito porque erámos amigos. Ainda que houvesse uma enorme distância física, as redes (anti) sociais nos aproximavam em conversas quase diárias e nos últimos tempos bem sofridas, porém cheias de esperança de dias melhores e recomeços. Quando ouvi a noticia, quis chorar, chorar de soluçar mas contive o choro, como sempre faço. Contive minhas emoções porque afinal de contas me emocionar não é algo que me faça bem.

Eu simplesmente não acreditei e esperei que ela me chamasse no Instagram como sempre fazia nos horários mais absurdos e improváveis para me falar de suas feridas e tristezas mas também de seus planos para recomeçar e ser alguém melhor do que era. Não deu tempo mas deu tempo de eu dizer para ela que ela já era uma pessoa excepcional. Ao menos, isso, deu tempo.

Nunca tive muitos amigos, eu não sei ter amigos. Não sei nem ter colegas. As pessoas, a grande maioria, a esmagadora maioria delas me causam apenas um terrível e monótono enfado e ela sempre foi a amiga com quem podia rir, com quem podia ser eu mesmo e ela comigo. Não tive tempo de elogiar uma última vez suas galochas que ela usava quando adolescente e viraram botas de jovem senhora depois de adulta.

Não tive tempo de muita coisa mas tive tempo hoje, enquanto essa pancada de chuva caia, de me recordar de uma amizade real, sincera e leal e me recordar em cada detalhe. E recordando pude agradecer por ter vivido esta amizade. E reforcei minha admiração por essa chuva quando ela cai. Não aquela chuva que causa destruição mas a que vem e me traz o mesmo sorriso que que aquela menina de galochas bacanas me trazia quando chegava a igreja a cada Sábado.

Deus sabe de todas as coisas. O problema é que eu não. E em minha ignorância, choro por sua falta. Ainda que seja um choro interno, eu choro.

É isso.

Ouvindo: Aaron & Geoffrey After The Rain

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